Só resta uma casa na aldeia de Alimonde onde o porco ainda é um dos sustentos

PUB.

Ter, 19/01/2021 - 11:09


Até há alguns anos, a tradição de criar porcos para matar era vista como um dos mais importantes sustentos nas aldeias do nordeste transmontano mas parece estar a perder-se.

Em Alimonde, no concelho de Bragança, há pouco mais de 50 habitantes. A falta de gente na pequena localidade é notória, mas mais evidente ainda é que há muitos costumes como este que estão a acabar.

“A qualidade vale o esforço”

A matança do porco é uma das tradições que em Alimonde que, mais dia menos dia, está condenada a ficar apenas na memória dos mais velhos, uma vez que já só Maria da Luz Pires, de 62 anos, continua a criar estes animais. Ligada aos trabalhos agrícolas desde pequena, sabe trabalhar a terra e criar animais. Teve vacas e vitelos vários anos, criou coelhos, galinhas e até patos, mas são os porcos que ali resistem. Apesar de o trabalho que tem na cidade lhe roubar a maior parte do tempo útil do dia, o serviço de casa não fica por mãos alheias e, ainda que com muito esforço, “havendo vontade, dá para fazer tudo”. Com o marido, Tiago, a ajudar, levanta-se às cinco da manhã para dar de comer aos porcos. Ao final da tarde, regressada da cidade, volta a servir mais uma refeição aos animais. “Dá tudo muito trabalho, é preciso dar-lhes de comer, lavar a loja e fazer uma 'cama' limpa todos os dias. É cansativo, mas, mesmo trabalhando, tenho que ter tempo porque a carne dos porcos criados em casa é melhor”, explicou. Em casa de Maria da Luz a matança, este ano, já se fez. No fim-de-semana passado, em tempos de pandemia, juntou apenas quatro ou cinco homens da família para lhe matarem os dois porcos, que criou em casa, desde Junho, altura em que os comprou no concelho de Macedo de Cavaleiros. “Cada um custou 120 euros, mas as despesas não ficam por aqui. É preciso comprar farinha, plantar beterrabas, semear abóboras e batatas. Tudo custa dinheiro”, salientou a criadora, que explicou que, nos últimos dois meses de criação, também é necessário fazer-lhes a vianda, num lato, ao lume. Apesar de o dia da matança não ter sido tão cheio de gente como noutros anos e de as máscaras terem feito parte da indumentária os animais já estão mortos e com eles deverá fazer 12 dúzias de chouriças e cerca de 40 salpicões. Além disso, criar e matar porcos, na casa de Maria da Luz, também é sinónimo de alheiras, butelos, chouriças doces, presunto e rojões. Nem a carne gorda se descarta, servirá para meter no pão que a própria ainda coze em forno de lenha. Cada um dos porcos mortos no sábado ronda os 150 quilos. Contudo, “não é assim tanto o que fica para fumeiro”. Desta forma, Maria da Luz, além de criar os animais, também compra carne para fazer fumeiro. “Se fosse só para mim e para o Tiago isto chegava perfeitamente, mas eu tenho filhos e netos e gosto de lhes dar do que tenho. Além disso, também é sempre bom ter alguma coisa caseira para pôr na mesa quando os amigos e familiares aqui passam”, explicou.

Tempo escasseia mas fumeiro vai-se mantendo

Maria Fernanda Pires também compra carne para fazer fumeiro mas fica-se apenas por aí. Irmã da criadora de Alimonde, onde também reside, já criou porcos para matar, durante vários anos, mas o trabalho na cidade “rouba demasiado tempo” e desistiu. “Já há seis anos que não crio porcos. Por causa do trabalho, saio muito cedo de casa e venho sempre por volta das sete ou oito da noite”, explicou, assinalando que “o simples acto de lhes dar a comida é rápido, o que implica tempo é prepará-la”. Perante o cenário, onde o tempo para fazer tudo escasseia, percebeu que a melhor solução seria começar a comprar carne, única e exclusivamente, para continuar a manter viva alguma tradição. “Não quis deixar de ter fumeiro em casa porque sempre o tive. Compro a carne num talho e é de boa qualidade”, assinalou, dizendo que “o fumeiro fica praticamente igual ao que fazia antigamente”. Com os 30 quilos que compra por ano faz pouco mais de 90 chouriças de carne mas “é quanto basta”. “Conheço muita gente que compra carne para fazer o fumeiro. Já não têm tempo de criar porcos e é a melhor opção”, terminou.

“Já se vendeu o triplo”

A tradição de criar porcos até pode estar a perder- -se, mas a verdade é que também há cada vez menos gente a comprar tanto os animais como apenas a carne. Bruno Fernandes é talhante há mais de 20 anos e Alimonde é uma das aldeias por onde passa a vender carnes e queijos. Segundo conta, “há cada vez menos procura” porque “os mais velhos vão morrendo e os novos não sabem como fazer e não têm tempo”. Segundo o comerciante brigantino, “ainda se vende alguma coisa”, mas “há 15 ou 20 anos vendia-se o triplo”. “Na semana passada vendi 500 quilos de carne, não é muito, mas, dada a situação até mesmo de pandemia, é bom”, contou, dizendo que o que tem aumentado, pelo menos nestes últimos tempos, é a procura por porcos porque, além do fumeiro, os clientes “ainda ficam os presuntos e o resto”. À semelhança de Bruno Fernandes, Félix Garcia, que tem um talho em Trabazos, na Espanha, também admite que “há cada vez menos gente a comprar”. “Este ano já vendi cerca de 40 porcos, mas lembro-me de alturas, há cerca de 20 anos, que vendia o triplo”, contou, recordando que “havia mais gente e ao haver mais gente havia mais procura”. Ainda assim, segundo o proprietário do espaço onde cerca de 60% dos clientes são portugueses, as poucas pessoas que ainda vão alimentando este mercado fazem-no porque “o fumeiro feito em casa não se compara em nada com o que se compra”. Nos dois espaços, tanto do lado de cá como do de lá, a maioria das encomendas é feita por gente das aldeias, na casa dos 40 a 60 anos.

Jornalista: 
Carina Alves