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Rua João de Deus (1)

Ter, 10/10/2006 - 11:08


Existiram e talvez ainda existam, um pouco por todo o país, ruas onde as pessoas viviam como se fossem uma grande família. Eu tive o prazer de viver numa delas.

Fui viver para a Caleja em Agosto de 1964, com 9 anos, numa idade em que as lembranças, boas ou más, são para toda a vida.
A rua João de Deus está hoje escondida atrás da Torralta mas nem sempre foi assim. Antes da construção do edifício do actual Hotel São José existiam casas de ambos os lados da rua. Recordo-me do senhor Garrido que era alfaiate; da tia Cecília e do tio António que ali viviam e trabalhavam na sua taberna; da Florinda e da sua irmã Aida que viviam com o senhor Zézinho, seu tio, que tinha uma banca de peixe no antigo mercado; do senhor Leonel que foi vice-director da Caixa Geral de Depósitos; do senhor António Reis e da sua oficina de motos; do senhor Rui; do senhor Pereira, pai do Manuel Pereira que tanto fez pelo Clube Académico de Bragança; do senhor Mirandela que vivia junto à fonte que agora já não existe...
Do outro lado, ou seja, do meu lado, viviam e vivem ainda alguns, o professor Maximino Alves, que foi Director Escolar de Bragança; as irmãs Menina Isaura e Menina Ilda que eram contínuas em escolas da cidade; a tia Violante e o senhor João, a D. Zélia e o senhor Morais…
Eu e a minha família vivíamos ali, entre a casa da Menina Ilda e da D. Zélia e dali ainda se avistava o Liceu.
No cimo das escadas que dão para a actual Sá Carneiro, passava a linha do comboio de tão grata memória e agora de tão amarga ausência.
Foram tempos que nunca vou esquecer. Aquela camaradagem, aquelas questiúnculas que existem entre membros de uma mesma família, aquele apoio implícito em todos os olhares…
E como me poderia esquecer das festas de São João que ali se faziam todos os anos? As lâmpadas presas de um lado ao outro da rua faziam-me lembrar um céu estrelado.
Hoje a realidade é outra. A rua mudou muito. Só há casas de um lado pois o edifício da Torralta obrigou ao derrube das outras. As pessoas: algumas faleceram, outras mudaram-se, algumas continuam a viver ali e tenho a certeza de que são felizes. As casas: algumas foram reconstruídas, outras totalmente abandonadas…
A minha casa é uma delas e dói-me vê-la cair aos poucos. Admira-me que assim seja, pois a localização não podia ser melhor. A rua João de Deus está perto de tudo. Os Correios estão a poucos metros, a Praça da Sé também, a Sá Carneiro está à distância de alguns degraus…
Existem três casas e respectivos quintais, uma delas era a minha, junto às escadas da Torralta que deveriam ser derrubadas para ali se construir, salvaguardando, obviamente, os direitos dos actuais moradores. Sem ser arquitecto, engenheiro, construtor, penso, assumindo a minha ignorância técnica, que se poderia fazer ali um conjunto de apartamentos voltados para a Praça da Sé, dispondo o edifício em L, criando um estacionamento a que apenas os moradores teriam acesso. Ficaria de costas voltadas para a Sá Carneiro e para a rampa do estacionamento do prédio onde antes estava a Caixa Agrícola.
Seria quase um pequeno condomínio fechado, com uma localização privilegiada, um local tranquilo e familiar, excelente para criar filhos ou para passar uma velhice tranquila.

Marcolino Cepeda