Ter, 24/10/2006 - 11:07
Resumindo, quando ao essencial:
- simpáticos, mas um problema, um peso para o país; zona inviável que dá cabo das estatísticas nacionais.
- se reivindica, isso é entendido como uma mão estendida; se exige, é porque não enxerga bem o que vale.
Afinal, esta é a linguagem de gente que faz contas, e que as apresenta como rigorosas. Mais, de gente que parece agir sob um dos paradigmas da justiça, já há muito proclamado por Aristóteles: suum cuique tribuere – dar a cada um o seu. Embora não seja o melhor dos mundos, este seria o mundo possível.
Para que não fiquem dúvidas, quero dizer desde já: aquelas contas estão erradas. Decididamente, o país (para evitar falar em Estado ou outra entidade) não tem sido de boas contas com as zonas de Interior e com as zonas de Fronteira e, há que dizê-lo, não tem sido de boas contas particularmente com esta zona de Bragança. Vamos, então, à primeira ponta que do fio que me propus agarrar: quando, como e porquê nasce esta zona de Bragança como zona de Fronteira?
A zona de Bragança, como zona de Fronteira, nasce com o país, há quase nove séculos. Antes não havia aqui fronteiras ou eram outras as fronteiras. Situemo-nos nesse tempo, o século XII, lembrando factos que são pouco falados, e que eu desconhecia até há bem pouco tempo.
Tinha o senhorio de todos os vastíssimos territórios que separavam o Condado Portucalense do Reino de Leão, uma das mais poderosas famílias nobres dos primórdios do nosso país, conhecida como Os Bragançãos. O seu poderio chegou a alargar-se até Zamora e a outras terras que agora ficam do lado de lá da fronteira. Esta era uma zona de transição, de passagem, mas também uma zona tampão entre o reino emergente e o reino de Leão e, por isso, uma zona central.
Os Bragançãos aproveitaram habilmente a centralidade geo-estratégica desta zona:
- por um lado, sabiam que a sua posição era essencial ao nascimento e consolidação do novo reino de Portugal e, desde a 1ª hora, apoiaram as pretensões do jovem rei D. Afonso, acabando um deles (Fernão Fernandes, O Bravo) por casar com uma irmã deste;
- mas tinham o poderoso reino de Leão do outro lado, nele continuando integrados e servindo, de modo mais ou menos intermitente, o rei de Leão, em cuja corte chegaram a ocupar os mais altos cargos, e isto sem que qualquer dos reis parecesse importar-se com tão contraditórias fidelidades. Era a lógica dos laços feudais a funcionar. Afinal, quer o jovem rei de Portugal quer o rei de Leão, precisavam deles, os Bragançãos, e procuravam cativar-lhes o apoio.
Um dado parece seguro: a região existia enquanto tal, falava a uma só voz, e tinha uma estratégia ainda não condicionada pelas fronteiras que se começavam a desenhar.
Esta situação, que dura o século XII e parte do século XIII, foi talvez aquela em que a zona de Bragança teve um peso político decisivo ou, pelo menos, marcante, na história. Que ninguém queira ver aqui insinuações autonomistas, que não tenho. Reflicto sobre a nossa história, tentando entender melhor o presente.
Com o declínio dos Bragançãos (meados do século XIII), a zona de Bragança assume, progressivamente, a sua condição de terra de Fronteira. Como tal, tem de ir abdicando do outro lado que, naturalmente, lhe dava força e era elemento central na sua estratégia. A Fronteira vai-se semeando de castelos e vive a ferro e fogo, com algumas abertas, até ao século XVIII. É um longo tempo de sobrevivência e de uma dureza que penetrou a alma, mas também um tempo de não desistir, de reconstruir o que constantemente era destruído.
A partir do século XIV a situação consolida-se: D. Nuno Álvares Pereira ainda vem rezar ao santuário do Azinhoso, e D. João I estaciona na Vilariça as suas tropas; mais tarde, dá-se a passagem fugaz por Miranda do príncipe D. João, depois D. João II, espreitando a oportunidade falhada de Toro. Como zona de fronteira, vai ficando arredada e passa a significar, cada vez mais, uma zona de perigo e de dificuldades, lugar de degredo para homiziados.
Suprema ironia: é nessa altura (primeira metade do século XV) criado o título de Duque de Bragança, que se vem a tornar no mais poderoso da nobreza portuguesa, acabando por se identificar com a casa real. Mas com esta zona pouco terá tido a ver.
É um desses duques de Bragança, D. Fernando II, que tem a sua estátua em frente ao castelo de Bragança. Dos Bragançãos nem rasto. Escolha consciente ou não, fica ali bem documentada a condição da região de Bragança e da sua irrelevância no contexto nacional.
* Conferência proferida no âmbito do Conselho Aberto da CGD, a 29 de Setembro de 2006
(Continua no próximo número)