Empresários da música indignados com o cancelamento das festas e eventos até 30 de Setembro

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Ter, 25/05/2021 - 11:05


A CIM, conjuntamente com a Autoridade Regional de Saúde e a Diocese de Bragança-Miranda, decidiu cancelar os eventos ao ar livre até ao final de Setembro. Revolta dos empresários já gerou uma petição

A Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os- -Montes determinou que, até 30 de Setembro, não são autorizados “eventos, actividades ou manifestações de qualquer ordem”, como desfiles e festas populares ou manifestações folclóricas ou outras de qualquer natureza, em espaços abertos, vias públicas ou em vias privadas equiparadas a vias públicas. Esta medida abrange os nove municípios da CIM, Alfândega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Vila Flor, Vimioso e Vinhais. Quem não ficou satisfeito com a notícia foram os empresários do sector da música, até porque este é já o segundo Verão que vão ficar sem facturar desde que a pandemia chegou ao país. Paulo Fernandes é responsável de um grupo de concertinas de Torre de Dona Chama e disse que mais uma vez lhe estão a “cortar as pernas”. “Não concordamos, repudiamos até. Já vamos para o segundo ano em que não podemos trabalhar e não somos só nós, grupos musicais, que estamos a passar por isto, mas também todo o sector relacionado”, afirmou. Segundo o empresário, as câmaras deviam organizar- -se e apoiar o sector a “sobreviver”, contrariamente ao que fizeram, que foi “um atentado”. Paulo Fernandes considera que há possibilidade de haver eventos seguros ao ar livre. “As câmaras municipais se colaborarem connosco podem criar-se espectáculos em segurança. Estando ao ar livre, estando as pessoas com máscara, estando as pessoas distanciadas, não vemos nenhum motivo para que os espectáculos ao ar livre não se possam realizar”, explicou, salientando que acredita “seriamente” o civismo das pessoas para cumprir as regras que terão que ser impostas para que os eventos aconteçam. Já por Vinhais, Daniel Mofreita é proprietário de um grupo musical e também não concorda que sejam proibidos espectáculos ao ar livre já que continuam a realizar-se em recintos fechados. “Acho que não tem lógica em recintos fechados e não podermos fazer os bailaricos aqui nas aldeias”, reiterou. Para muitos empresários mais do que um Verão sem facturar, é mais um Verão com encargos às costas. “É complicado. Fizemos investimento e temos o material parado”, disse, referindo que não só ele está sem receber, como também todos os músicos que fazem parte da banda. Não fosse o facto ter outro trabalho, a situação tornar-se-ia ainda mais penosa. Mas David Fernandes já não pode dizer o mesmo. É vocalista e manager do grupo “Midnes” em Sendim, concelho de Miranda do Douro, há décadas. A banda é o seu ganha-pão que há mais de um ano está parada. O último concerto aconteceu a 12 de Fevereiro de 2020. O empresário não consegue entender a posição da CIM. “Isto é próprio de políticos que não sabem o que é a vida. É gente que chega ao dia 20 e cai-lhe o dinheirinho do salário na conta e depois acham que os outros vivem de amor e água fresca”, criticou. Para David Fernandes a decisão foi tomada muito cedo, já que as festas “mais fortes” acontecem em Agosto e nessa altura grande parte da população da região já estará vacinada contra a Covid-19. “Tomar uma decisão destas é patético, é anedótico”, afirmou, destacando que se as festas estão proibidas até 30 de Setembro é o mesmo que proibi-las de “Janeiro a 31 de Dezembro, porque no resto dos meses não se trabalha nada”. Vale-lhe as economias que tem feito ao longo dos anos, até porque o apoio que recebe é bastante reduzido, pouco mais de 200 euros por mês. “O que é que eu faço com isto? Não dá para pagar o imposto de um dos camiões”, disse, concluindo que “não há nenhuma empresa no país que resista se a obrigarem a parar dois anos”. Para Hugo Ribeiro, agente de espectáculos em Bragança, a explicação para esta decisão prende-se com toda a logística que implica organizar um evento em tempos de pandemia. “E eu penso que conseguíamos realizar um evento que garantisse a segurança de todos. Fácil é dizer que não se faz, agora criar as condições é que é difícil e ninguém quer partir para isso”, apontou, acrescentando que é preciso olhar para as pessoas que vivem deste sector. Também Hugo Ribeiro reiterou que é possível realizar eventos seguros, basta que as autarquias cheguem a um entendimento com os empresários. Há quem tenha feito investimentos pouco antes de a pandemia chegar e agora o fardo tornou-se mais pesado. Foi o caso de Nélson Pinto, responsável por uma banda de música popular portuguesa, em Mogadouro. “2019 foi ano de enormes investimentos, de uma vida. Estar com o fardo que estou actualmente às costas é muito difícil e duro. Sabia que não íamos voltar a 100%, mas alguma coisa deviam fazer, por mais que não fosse pequenos eventos”, defendeu. A banda também não é a sua principal fonte de rendimento mas, por incrível que pareça, o seu emprego está também relacionado com a música. Tem uma loja de instrumentos musicais e se as festas estão paradas os seus principais clientes também não compram. “Eu vendia material de uma forma e tive que me reinventar para continuar a vender. Apostar nas vendas online, apostar noutro tipo de produtos. É uma luta muito difícil, porque estou na corda bamba”. Para outros, começar a trabalhar este Verão traz a possibilidade de no próximo tudo voltar a ficar parado, visto que há o receio de os casos aumentarem. “Se os casos voltam a disparar no próximo ano voltamos a ter problemas, então é preferível resolver tudo de uma vez e sacrificarmo-nos mais um Verão sem trabalhar”, disse Paulo Pereira, de um grupo musical em Macedo de Cavaleiros. Ainda assim admitiu que a pandemia já o obrigou a dispensar funcionários. “Foram 22 pessoas para casa, parte deles trabalhavam em part-time, mas dependiam desse dinheiro para ajudar no agregado familiar. Mais um ano parado não vai ser muito fácil”, afirmou, acrescentando que a sua sorte tem sido a organização de alguns eventos para os municípios. O descontentamento dos empresários levou à criação de uma petição pública, que está a circular na internet, e que visa o cancelamento desta decisão a CIM. Segundo o presidente da CIM Terras de Trás-os-Montes, apesar de a vacinação contra a Covid-19 no distrito estar bastante avançada, só no final e Agosto é que grande parte da população estará vacinada e foram ainda tidas em conta as opiniões das entidades regionais, como câmaras municipais, unidade de saúde e igreja. “No distrito de Bragança as pessoas que nos visitam no Verão são essencialmente emigrantes e turistas, bastante gente. Algumas aldeias duplicam e mais que duplicam a população nessa época, o que significa que é preciso ter algumas cautelas, porque o assunto [pandemia] ainda não está resolvido e eventos ao ar livre sem controlo é sempre uma preocupação a nossa parte”, esclareceu Artur Nunes. Ainda assim, o presidente da CIM referiu que vai ser acompanhado o estado de evolução da pandemia e em função disso será feita uma avaliação e poderá ser diminuído o prazo do cancelamento dos eventos. Artur Nunes destacou ainda que os municípios estão abertos para conversar com os operadores da cultura e dos espectáculos. “Nós, câmaras municipais, estamos empenhados também em desenvolver actividades culturais controladas e desenvolver actividades que as nossas populações valorizem”.

Jornalista: 
Ângela Pais