O mundo da política é, no mínimo, um mundo estranho. Nos últimos anos os vários partidos políticos tradicionais e com assento parlamentar tentaram, sem grande sucesso, diga-se, em abono da verdade, estabelecer um cordão sanitário à volta de um neófito emergente que, à boleia de novas/velhas correntes quis fazer germinar no nosso país um ideário de extrema direita. O empenho e a valoração da distância a tal ideologia foi tal que marcou e balizou muitas das opções políticas e até, ao que se julgou saber, determinou uma reviravolta em vésperas de eleições proporcionando uma maioria absoluta a quem melhor soube gerir o afastamento e a rejeição de tal ideário. Mas se favoreceu quem soube afastar-se e penalizar quem não conseguiu isolar-se de forma eficiente, não penalizou quem adotou e abriu as velas aos ventos que começaram a soprar do exterior. Pelo contrário, a ideologia que, julgada esmagada e enterrada no século passado, destruída pelo desfecho progressista da Segunda Guerra Mundial, ressurgiu, ganhou fôlego e impôs-se de tal forma que nem o “não é não”, limitando estragos, impediu o crescimento extraordinário da extrema direita, nem o incómodo da convivência forçada no parlamento evitou alguma normalização não só de ideias abstrusas, mas igualmente de comportamentos absolutamente estranhos e condenáveis, mesmo em ambiente de confronto ideológico nunca vistos, antes, nem sequer nos anos da brasa do PREC. Mas, o mais estranho de tudo isto, foi o que começou a acontecer, desde há algum tempo para cá. Em vez de tais atitudes, propostas e modus operandi desencadearem a sua rejeição, o combate democrático e o aprofun damento das teorias democráticas e humanizadas… ao mesmo tempo que as forças radicais “desenvolvem” as suas opções, radicalizam as suas propostas e até deixam de se coibir de exibirem e verbalizarem propostas absolutamente desprezíveis e condenáveis por todos e qualquer democrata, de qualquer quadrante… começou a surgir, aqui e ali, inicialmente ainda com alguma timidez mas, pouco a pouco mais claras quem, vindo e inserido em partidos democráticos, comece a adotar bandeiras do outro lado da barricada. Estranha e espantosamente, não foi só a influência do CDS nas questões supostamente polémicas das aulas de cidadania, o próprio e ambicioso Presidente da Câmara de Lisboa começou a ensaiar um discurso xenófobo e perigoso sobre os “riscos e perigos” da imigração para, recentemente, um outro autarca, militante e dirigente do partido socialista, não só acarinhou uma proposta trazida a reunião camarária pela direita do executivo municipal como, querendo apoderar-se dela e roubar-lha, aprovou-a e, não contente com isso, adotou-a, potenciou-a e proclamou-a, como sendo sua, adjetivando a inominável intenção de proceder a despejos, injustos, ilegais e desumanos “sem dó nem piedade”! O que se estará a passar na cabeça desta gente? Pensarão, por acaso que é adotando as ideias mais reacionárias e descabeladas que sustentam determinada força política, por mais difundidas que sejam e, até, com alguma aceitação, mesmo que crescente, que vão recuperar o eleitorado que, nos últimos anos lhe anda a fugir? Bem pelo contrário. Quem perfilha tal ideologia, podendo apoiá-la nos que lha trouxeram em primeira mão, dificilmente a irão buscar aos que mais não sabem fazer que copiá-la. E, ao mesmo tempo, não recuperando apoiantes desavindos afastam todos quantos poderiam servir de base para uma verdadeira batalha ideológica que os próximos tempos exigem e que, queiram ou não, é necessário travar. A menos que queiram imi- tar quem, começando por “meras” ambições locais acabou projetando-se ao nível nacional, renegando o partido que lhe deu apoio… mas, nesse caso, também a cópia dificilmente suplantará o original.