O refugo da política

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Ter, 03/07/2018 - 10:36


A política é uma expressão notável da condição humana, a par da inteligência, das emoções e dos sentimentos, que rasgaram os horizontes da cultura e nos libertaram do determinismo puro e duro da natureza.

No entanto, a construção da humanidade não é um percurso tranquilo, gratificante e irreversível. A nossa passagem pelo mundo deixa marcas, autêntica pegada histórica, por semelhança com a ecológica, hoje razão para intentar mudanças de rumo na relação com o planeta. Pelo caminho ficam restos, escórias, o que designamos por refugo, capaz de contaminar o devir por tempo indeterminado.

Lamentavelmente, ao longo de muitos séculos, o ideal nobre da política não logrou distinguir-se de arremedos que o envolvem, numa dança macabra que poderá reconduzir-nos à barbárie. Arremedos fruto da cobiça, do primitivo instinto predador, mas também da condição bruta dos ignaros, vítimas ou serviçais de reizecos da selva.

Não faltam exemplos de pasmar neste século de surpresas para multidões que não quiseram ou não puderam olhar com esclarecida atenção para a vida real. Também nesta nossa terra, celebrado país de novecentos anos, rescende o fedor a politicagem, o lado ridículo da subversão da política.

Na realidade, não nos faltam gebos, fascinados pela sombra, a fazer-nos corar de vergonha, mais do que merecíamos, quando também tivemos a honra do governo de verdadeiros estadistas, embora a espaços, sem continuidade nem efeito estrutural que poderia garantir-nos destino bem diferente do que vamos sofrendo.

Casos notáveis de desavergonhados ou de brutinhos envaidecidos têm desfilados nos palcos da actualidade, dando razão a quem olha desconfiado para os regimes democráticos, sempre vítimas de demagogos, oportunistas e malandrecos.

É confrangedor ver como indivíduos que foram responsáveis por decisões políticas gravosas para o interior têm a lata de fazer pregações como se a memória fosse mesmo curta. Podíamos estar a falar de subalternos. Mas, não. Um ex-primeiro ministro e ex-presidente da República que, nas décadas de 80 e 90, empurrou o país para a situação que nos atormenta, foi a uma localidade onde o envelhecimento e a rarefacção das gentes mais se faz sentir, falar da necessidade de fazer filhos e de políticas para o interior.

Ele, que retirou as vias férreas, centralizou os serviços no litoral, privilegiou as estruturas viárias junto ao mar e à volta das duas metrópoles, foi homenageado em Sernancelhe, terra que, como outras, poderia ter subido dos domínios do demo às portas do paraíso, neste meio século.

Estamos no verdadeiro reino do absurdo. Moribundos agradecem ao abafador que lhes cercou a alma de desânimo. Neste tempo todos falam do interior, até o referido Aníbal Cavaco Silva.

Ver-se-á se o sucessor terá coragem para exigir a verdadeira reversão da asfixia mortífera. Lembremos que também ele foi responsável de um partido de poder e não deu mostras de romper com a inércia instalada. Agora, que exerce uma magistratura de influência, não parece que tenha força. Mas, também não sabemos se terá vontade.

 

Teófilo Vaz