F oram necessários muitos séculos para que o cristianismo se espalhasse pelo mundo e fosse aceite como uma verdadeira religião. Como em todos os começos, foi difícil ser aceite por ser nova, contrária às existentes religiões politeístas, por ser monoteísta, mas com uma mensagem de amor e paz que mais nenhuma tinha. Num Império Romano absolutamente politeísta e onde até os imperadores eram adorados como deuses, era quase impossível entrar uma nova religião e pior, acreditar nela que só tinha um Deus. Como é que um só Deus tinha mais poder que todos os deuses do império? Não era fácil acreditar, mas alguns acreditaram e tiveram a coragem de espalhar a boa nova. Foram perseguidos, presos e mortos muitos deles, mas de nada valeu. A força e a coragem prevaleceram e o mundo, aos poucos, tomou conhecimento da nova religião. Teve Fé. A mesma Fé que os portugueses levaram mar fora e o mesmo Deus que os guiou e os implantou em paragens tão díspares como os deuses que por lá existiam. Venceu o Deus cristão. Estava demasiado distante o tempo em que um Papa cristão tivesse a coragem para enfrentar outras religiões, outros deuses, outros líderes religiosos. No local onde nasceu uma das mais antigas civilizações da História da Humanidade, a Mesopotâmia, e onde a imensa planície cortada pelos rios Tigre e Eufrates, ao longo dos quais se implantaram cidades importantes como Ur, Uruk, Larsa, Lagash ou Uma, o Papa Francisco reuniu- -se com os líderes muçulmanos, sem temor, e pediu a todos para serem portadores da mesma mensagem de amor, paz e humildade que o cristianismo apregoa. Ali, na terra de Abraão, todos ouviram e interiorizaram a mesma mensagem. Uma mensagem apregoada em pleno deserto. Na verdade, os presentes eram poucos. Resta saber se estavam interessados em ouvir o que Francisco disse. Quando soou a 9ª Sinfonia de Beethoven, Francisco desceu e pisou solo iraquiano. Pela primeira vez um Papa cristão pisava solo do Irão. Ali mandam os Aiatolas. Mandam muitos e todos querem mandar. Muitas vezes não se entendem, mas isso será problema deles. Francisco levava somente uma mensagem e disse-a. “Calem as armas”. Num país onde a guerra é quase constante, é difícil calar as armas e falar de paz. Francisco teve essa coragem. Em Bagdade celebrou a primeira missa na igreja de S. José, onde escasseava a audiência. Foi celebrada em quatro línguas para que todos entendessem a mensagem. Inesperadamente, até o primeiro-ministro apareceu para assistir. Sinais dos tempos? Duvido. Para o Papa Francisco, desta visita, ficará certamente uma sensação de ter pregado no deserto, já que na realidade esteve em pleno deserto em reunião com os líderes muçulmanos, teve pouca audiência na missa de Bagdade e não sabe se a mensagem foi entendida e bem aceite. Fica uma sensação diferente na missa de Erbil, capital do Curdistão, onde esteve perante cerca de dez mil fiéis. Aqui sentiu-se, certamente, em casa. Talvez este ato de Erbil, possa servir de incentivo para uma aceitação dos cristãos em terra de infiéis e onde têm sofrido perseguições e atentados de toda a espécie, como se fossem culpados por acreditar numa religião diferente e muito mais poderosa. Para o mundo, a visita do Papa Francisco foi demasiado arriscada. Um enfrentamento entre religiões opostas e praticamente inimigas, talvez não fosse aconselhável, mas Francisco nada temeu. Seguro das suas decisões e acreditando nas suas razões, enfrentou tudo e todos e nem o olhar desconfiado de alguns líderes muçulmanos, o incomodou. Respondeu sorrindo. Perante a desconfiança ele exibiu segurança e firmeza na crença e na Fé que deve mover os interesses dos homens, independentemente das raças e dos credos. Desafiou-os a calar as armas e a arvorar a bandeira da paz, do amor e da amizade. Ficaremos à espera e veremos se a semente que Francisco levou no bolso não caiu efetivamente em solo desértico e improdutivo. A esperança é que, mesmo pregando no deserto, a semente frutifique no coração dos homens.