Voltou-se a falar de educação, melhor do sistema educativo, e das lutas que a classe docente tem travado para a recuperação dos nove anos, uns quantos meses e uns poucos de dias que o atual governo parece ter prometido recuperar mas, afinal, parece que já não. Uma luta justa. Para além das consequências que tem na vida de milhares de portugueses, o apagão deste tempo violará as mais elementares leis do código do trabalho, para não falar já nas questões éticas que aqui estão envolvidas. Se em vez da entidade Estado fosse um outro empregador, ou se em vez dos professores fosse uma outra classe profissional soariam alarmes de todos os lados, assim o ano acaba em julho, vêm as férias e o ciclo recomeça.
Com efeito, a diminuição da massa salarial dos professores não deverá ser motivo de preocupação nem para eles nem para a sociedade. Há décadas que têm sido constantemente acossados e continuam a desempenhar a sua missão estoicamente. Pagam as deslocações do seu bolso, ninguém lhes fornece o material de desgaste rápido e mesmo assim resistem… vá lá entender-se a razão. Por isso não será por aí que a reflexão irá, antes para o que o sistema absorveu, nos últimos anos, e não só o desqualifica como subverte o que de mais elementar existe em educação: a confiança. Não me refiro, obviamente, à confiança nas relações interpessoais dos alunos com os professores ou dos agentes entre si – essa ainda é o melhor que vai existindo. É ao que, em jeito de inovação se tem implementado de forma leviana, sem fundamento e com critérios dúbios. Ao grande público interessa apenas o visível e o que o ecrã vai mostrando, mas é no que não se vê que se subvertem as leis até que algo aparece aos olhos do senso comum como consolidado e sem alternativa. Isto está a passar-se com os exames nacionais.
Ao nosso olhar, os ditos exames que irão seriar os alunos no acesso ao ensino superior, surgem como o elemento envolto em mais rigor e sigilo do sistema educativo. Efetivamente, as provas são levadas à escola pela PSP, todo o processo interno decorre com a atribuição de números confidenciais, enfim, uma série de procedimentos para que tudo seja o mais coerente e rigoroso possível, culminando com o envio das provas para um agrupamento de exames que faz a sua distribuição, sob anonimato, para uma série de professores-corretores a quem é atribuído um número confidencial que os identifica. Até aqui há coerência, rigor e objetividade. Acontece, porém, que ultimamente, e fruto desta voragem inovadora, alguém se lembrou que os corretores têm, obrigatoriamente, de se registar numa plataforma moodle pois só desta forma poderão esclarecer as dúvidas que surgem durante a correção. O que intriga em tudo isto, é que se exija ao corretor – que nada recebe por este acréscimo de trabalho – que se identifique mediante o seu nome, identificação da escola onde exerce funções, código da prova que corrige e número de provas que lhe foram atribuídas e tudo isto numa página onde se poderá expor perante duzentos ou mais professores que poderá ou não conhecer. Ora, ao colocar uma questão perante esta plêiade poderá estar em causa não só o anonimato do corretor, mas a identificação das provas que está a ver pois face à questão poderá alguém dizer do outro lado:
“— Os meus alunos…”.
Este procedimento é ainda mais controverso, quanto, entre esses cem ou duzentos professores, possa estar um que, por razões diversas, tenha a sua identidade protegida pela justiça. Ao que parece ninguém pode recusar corrigir exames desde que tenha sido convocado e nem mesmo o facto de o IAVE ser um instituto público que, por acaso, é tutelado pelo Ministério da Educação, é fundamento para tal ou seja, o anonimato não está efetivamente garantido. Se a isto se acrescentar a advertência que a plataforma emite quando se digita um código: “Esta é uma ligação não segura…” dir-se-á que nada do que parece é pois juntando todas as peças do puzzle e com a ajuda das montras digitais também não é de todo impossível que o professor conclua a que escola pertencem as provas e, se for numa disciplina de línguas, o trabalho nem sequer chegará a ser detectivesco. E aqui a lei da proteção de dados parece ainda não ter chegado.
O melhor é mesmo continuar a dizer que o sistema é perfeito, a modernidade é uma mais-valia e os professores é que são os culpados pelas alterações climáticas, pela camada do ozono e o efeito de estufa, pois, por cá, ainda há papel para a realização das provas ao contrário do que está a acontecer na maior parte dos tribunais deste país onde, segundo o JN (on-line) há secretários judiciais a dar instruções para as reservas serem usadas apenas para situações urgentes e que não possam ser adiadas. Tudo acabará bem.