Estou sempre de regresso ao Nordeste onde é possível escrever como quem come pão centeio, bebe do vinho da pipa e embebeda-se com a água do ribeiro a regurgitar de peixes avaros dos mistérios dos poços fundos.
Então tudo é fácil, o grande livro do Nordeste está aberto e só é preciso copiar a cópia cem vezes repetida na escola da vida.
A tia Augusta, de avental de cotim às riscas penteia-se na varanda, com o bigode muito bem-posto e chama as suas pitas que comem o renovo da vizinha.
O Tio Lopes, há anos que não fala com a tia Augusta, coisa de namoricos antigos, ciúmes velhos em tempos da Senhora da Ribeira. Contudo, a Tia Augusta admira-se como o tio Lopes lavra o seu quintal, rasgando a terra num namoro perene com os sulcos direitos e fundos, acariciando a semente para que a planta nasça num anúncio cúmplice com a natureza.
Por isso, eu continuo a acreditar no Nordeste e no Turismo rural que timidamente já é uma mais-valia.
O Jaime que já esteve em França, vocês conhecem, pois então, ele até comprou uma camioneta para ir ao negócio, mas as coisas não lhe correram bem, pois, vocês conhecem o Jaime, já ergueu o seu pombal, com dinheiro fresco vindo da Europa. A brancura do pombal será o renascer do Nordeste afeito aos voos largos no esvoaçar de mil pombas.
E se o Turismo trouxer gente, ávida de memórias ancestrais, será possível evitar a fatalidade da morte anunciada da nossa terra. E o forno vai cozer de novo trigo alvo arrancado com valentia ao coração do Nordeste que se cansou de trazer ao colo fragaredos infindos e se resolveu na maternidade da farinha, do azeite, das cerejas vermelhas e amêndoas doces, anunciando esta terra prometida onde corre leite e mel.
O moleiro está de regresso ao rio depois de tanta ausência do convívio das noites de lua cheia e da pedra alveira amante da farinha branca como a neve das invernias.
O milagre vai acontecer, porque o Turismo rural reclama que se acorde o lavrador, se avise o pastor, se erga a forja, se renove a casa de pedra, se povoe a capoeira, se acenda o forno, se abra a adega, se faça o folar, se encomendem as almas, se solenizem as Endoenças, que vamos às romarias, que matemos o porco, que façamos alheiras e curemos os presuntos, porque o Turismo rural reclama que tenhamos está força telúrica em preservar as nossas memórias sem descorar o futuro e o desenvolvimento. Memórias que vêm do princípio dos tempos.
E então talvez possamos dizer: o trigo já está na tulha, as vinhas vindimadas e as castanhas ainda esperam mais umas chuvas bem caídas até que os ouriços se comecem a rir para a gente. Os lavradores mais cuidadosos já espreitam o vinho, fazem um garrafão de jeropiga, enquanto as mulheres se entretêm a fazer compotas de quase tudo. Compotas de pêssegos, cerejas, ginjas, amoras, marmelos, figos, numa infusão de açúcar em ponto.
Assim, acredito que o Nordeste tem futuro. Acredito que vindos de longe, das canseiras e do desassossego do mundo, outros Povos chegarão a este último reduto onde a vida ainda é possível, onde o homem foi capaz de humanizar a natureza sem se desumanizar, nesta cumplicidade de quem sabe que a cultura tem que estar ao serviço da humanidade, independentemente deste despudor que se chama aldeia global, onde perdemos a privacidade da nossa casa e a diferença de comer as batatas com a casca porque não gostamos delas doutra maneira.
Com essa gente, vinda de longínquas paragens, virá dinheiro e principalmente mulheres à beira de serem mães e nascerão crianças e de novo abriremos a nossa escola na alegria do “giroflé giroflá” cantado em jogo de roda pelas crianças que vieram de longe.
O Nordeste povoar-se-á na alegria dum desenvolvimento sustentado, de novo correrá leite e mel nos nossos vales tão floridos de estevas e giestas e faremos, sem dúvida, a nova Páscoa, nem que seja a Páscoa duma utopia consentida, mas que desejamos.
Um certo Turismo Rural a Nordeste
Fernando Calado