Na altura de decidir sobre a universidade a que concorreria, optei pelo curso de Medicina Veterinária, essencialmente pelo gosto de trabalhar em segurança alimentar, na empresa de alheiras do meu Pai. Na minha família sempre tivemos animais de estimação, cães e gatos. Na cocheira, havia um pátio onde estavam dois pastores alemães, o King e a Queen. Ao lado, na cortinha do Sr. Arnaldo, um amigo da família, pai do Isidro e da Iolanda, pernoitavam duas vacas leiteiras, onde diariamente íamos buscar o leite para casa. Na cortinha, tratada de forma exemplar, o Arquiteto Mendo tinha uma horta onde plantava com toda a perícia e dedicação, morangos e alguns hortícolas. Andávamos por ali de bicicleta e no fundo a ribeira, muitas vezes sem água no verão, permitiu-nos uma infância entre o café Mira e a cortinha do Sr. Arnaldo. Mesmo no centro de Mirandela, a natureza foi o pano de fundo das nossas vivências.
Os animais, convenientemente tratados, tinham o seu espaço próprio e conviviam saudavelmente com todos. Lembro-me que era essa a normalidade do “campo” e vivíamos felizes essas rotinas.
Hoje em dia, assisto a debates constantes sobre animais de estimação e de alguma forma vocacionados para a humanização de cães e gatos. Concordo com um projeto lei do PS, aprovado recentemente na Assembleia da República, que altera o código civil e estabelece um estatuto jurídico próprio dos animais, reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade. Parece-me óbvia a diferença de tratamento aos animais no campo e na cidade. No meio rural, a grande maioria não passa da “condição de animais de companhia”, permanecendo ao ar livre, alguns mantendo o trabalho com os rebanhos, onde o pastor os sabe tratar, mas também como animais de companhia, contrariando a solidão dos mais velhos e mantendo a condição livre. Nos grandes centros, assistimos a uma suposta “humanização” dos animais de companhia que, pela necessidade de conforto, acompanhamento, e pelo constrangimento de espaços de apartamentos exíguos, os animais permanecem em espaços reduzidos, apenas com regulares passeios à rua. Uma vida animal distinta do meio rural, onde me parece que os cães e gatos mantêm uma vida livre como animais que são.
Por outro lado, assistimos a um fenómeno lamentável de abandono de cães, quando a situação financeira não se compadece com gastos na alimentação e em assistência veterinária dos cães. Também nestes casos, o País não tem soluções milagrosas estando, no entanto, em curso em muitos canis municipais campanhas de adoção de animais. Como em tudo na vida, devem existir políticas locais, regionais e nacionais apropriadas à nossa realidade, que estimulem o bem-estar dos animais, mas que não pretendam criar uma metamorfose em seres humanizados. A continuar assim, haverá que criar uma linha de apoio SOS animal. Sim, essa sim, caricata. Na cocheira, na cortinha do Sr. Arnaldo, os animais eram tratados como animais. E eram “felizes”, assim.
SOS Animal
Júlia Rodrigues