Foi numa terça feira, já em pleno mês de agosto. Em época de férias para muitos de nós, mais um dia de Verão igual a tantos outros, intramuros de um estabelecimento prisional. Bem no coração da cidade de Bragança, onde tantas vezes passei para ir à Zona Agrária localizada mesmo em frente, um edifício semelhante a outros tantos espalhados pelas nossas cidades. A diferença reside em grades nas janelas e muros altos. Um jardim e hortas bem tratadas. O portão abriu-se e logo à entrada um guarda prisional a controlar as visitas. Cá fora o Senhor Diretor e o Senhor Adjunto aguardavam a minha chegada. À hora combinada, entrei. Lá dentro, mas ainda fora de portas, decorria a vida normal e as tarefas a realizar por alguns que, apesar de detidos, trabalham no exterior. Na semana seguinte iniciava-se um curso de operador agrícola, justificando o trator estacionado no parque.
Era a primeira vez que entrava num estabelecimento prisional, julgando eu ser um ambiente completamente desconhecido. Enganei-me redondamente. A familiaridade de trato e o reconhecimento de algumas caras, umas conhecidas outras amigas de escola, resultaram em reflexões sobre as voltas da vida e despertaram o interesse, já antigo, sobre o funcionamento do sistema prisional em particular do nosso distrito. Um conhecimento que devemos aprofundar e estudar causas e motivações da elevada frequência de reincidências.
O meu colega Zé reconheceu-me logo. Eu também. Já não o via há longos anos, mas as feições mantêm-se, apesar da dureza da vida. O olhar, o sorriso e a voz eram-me familiares. Gostei de o ver. Falámos dos amigos em comum, das vidas de todos e do período de festas na nossa Terra. A vida levou-o ao mundo das drogas e desde aí têm sido muitos os anos que permanece neste lugar. Um rapaz muito talentoso que não soube tratar de si, nem dos seus. Nasceu e cresceu num bom ambiente familiar e talvez tenha tido o azar de encontrar caminhos demasiado tortuosos que não teve forças para abandonar.
Lá dentro, depois da porta em ferro, um espaço, tal e qual como o conhecemos pela televisão. Em baixo, celas contínuas e um varandim superior com a mesma disposição. Um espaço exterior, com muros altos, a que chamam recreio. Sabiam da minha visita e aproximavam-se para cumprimentar. Sempre, sempre educados e com boa relação com guardas e direção. Muitos questionavam-me sobre as festas, a noite dos bombos, ficando a promessa de que sairiam logo que lhes fosse autorizado e não voltariam a entrar neste lugar. Um sítio que merece ser qualificado, mas que mantém um ar limpo e arranjado. Têm espaços de dormir exíguos e áreas comuns apertadas. Ninguém pensaria poder ser nenhum hotel, mas concordo ter que haver condições de higiene e salubridade.
Hoje, este drama afeta muitas famílias. Não escolhe estratos sociais, género ou idade. A criminalidade pode entrar pela porta dentro sem que para tal haja necessariamente responsáveis diretos.
Hoje, eles. Amanhã, outros. As grades permanecerão e os muros são altos, como gigantes são os medos sentidos dentro e fora da porta de ferro.