Mal se começou a adivinhar a vitória de Trump nas eleições Americanas logo se perfilaram jornalistas e politólogos explicando aquilo que, sendo óbvio para eles, para todos foi uma surpresa. E tão surpreendente foi que Hillary Clinton ganhando no voto popular, perde a eleição. Bem se pode queixar da Geografia eleitoral, da regra do pleno eleitoral por Estado pois, dos quase 3 milhões de votos que teve a mais que o rival, bastavam-lhe só mais 100 mil na Flórida para ganhar a eleição. Em contrapartida não pode queixar-se da Comunicação Social que, de forma pouco ética direi mesmo desavergonhada, a promoveu e a passeou ao colo enquanto diabolizava o adversário. E até o Presidente Obama lhe manifestou apoio público numa atitude sem precedentes e quebrando aquilo que é a regra de ouro de um Presidente: não se deixar transformar em Presidente de facção. Mas porque é que os políticos e a imprensa em geral vêem em Trump o princípio do fim da civilização Ocidental? Só lhes falta dizer que pertence ao “eixo do mal”. O anúncio de cenários dantescos caso se verificasse a sua eleição levaram o Primeiro Ministro Húngaro, xenófobo, racista e populista como ele, a comentar três dias depois do acto eleitoral ironizando: “três dias depois do apocalipse, eis-nos aqui vivos e inteiros”. E socorrendo-se de Louis Armstrong acrescentou: “what a wonderful world”. O mal anunciado é tanto que dá para parodiar. Trump é aquilo que ali está: um labrego, um boçal, um “pato bravo cheio de dinheiro, um populista, um “nonsense” e, cereja em cima do bolo, pensa-se o macho alfa das américas conforme gravação reveladora. Mas não é por isso que o rejeitam. É antes uma guerra corporativa. Os políticos têm espírito de casta e não aceitam bem que um arrivista, um “penetra” queira entrar num mundo para o qual, dizem, não tem pedigree. A regra na América é que os candidatos sejam oriundos ou do Congresso ou do Senado ou sejam Governadores de Estado ou militares de altíssima patente. Além disso há famílias que têm lugar cativo nesse fórum como os Kennedy, os Bush ou os Clinton. Trump não é nem tem nada disso. Mas então os americanos que gostam tanto de apresentar o seu País como o País das oportunidades, onde qualquer um pode ascender ao topo da pirâmide social e que tinham aqui um belíssimo exemplo demonstrativo dessa realidade, que fizeram? As elites diabolizaram-no mas o povo quis ver a sua Cinderela.
Mas será assim tão mau quanto o pintam? A gestão interna irá ser muito conservadora pois ele coloca-se politicamente muito à direita. É a favor da pena de morte, é contra o aborto, é contra o Estado Providência, é a favor da liberdade de uso e porte de arma de fogo, é contra a imigração, etc. Mas isso é com os americanos e só me interessa na justa medida em que sou solidário com o povo americano. A política externa, sim, interessa-me pois todos os Países e Portugal em particular sofrem os efeitos diretos e colaterais dessa política. E aí numa análise às políticas externas de outros presidentes americanos depois da 2ª grande guerra, desde que a América “botou vulto no Mundo”, ele tem de ser muito mau só para empatar. Portanto não é coisa a que não estejamos já habituados. Senão vejamos: Truman pegou nas rédeas do poder mesmo em cima do fim da 2ª grande Guerra mas ainda teve tempo de nos brindar com duas flores: uma foi a “pulverização” de Dresden num acto gratuito de exibição de poderio militar. Dresden já não era alvo militar e as tropas Nazis estavam à beira da rendição; outra foi o lançamento de duas bombas nucleares em alvos perfeitamente civis, Hiroxima e Nagasaki, e já depois dos alemães se terem rendido (teve sorte pois nunca há criminosos de guerra entre os vencedores). Depois veio a paz mas não demorou nada a arranjar a Guerra da Coreia. A seguir vem Eisenhower que tinha sido Comandante Supremo das Forças Aliadas na Europa e portanto co-responsável pelo varrimento de Dresden da superfície da Terra e que apesar de já serem conhecidos os horrores provocados pela bomba nuclear não teve qualquer constrangimento ao ameaçar a China com a sua utilização para reverter a seu favor a Guerra da Coreia. O católico Kennedy pôs o Mundo à beira de um ataque de nervos com a invasão, falhada, da Baía dos Porcos e a Crise dos misseis em Cuba. No pouco tempo que lá esteve ainda conseguiu arranjar um caldo de cultura para a guerra do Vietnam que o seu sucessor veio a declarar. Bom, não querendo ser exaustivo não posso deixar de lembrar a invasão americana de Granada, um pequeno País Caribenho com 100 mil habitantes, pelo facto de ter um governo marxista. “Não no meu quintal!,” sentenciou Ronald Reagan. A invasão foi condenada pelas Nações Unidas e até, pasme-se, Margaret Thatcher alinhou no coro das condenações. Por último queria recordar talvez o caso mais emblemático da arrogância e prepotência políticas com que os USA encaram as relações com outros Estados. Refiro-me à segunda invasão do Iraque feita à revelia da ONU e para a qual foi usada uma argumentação justificativa que não passava de uma mentira grosseira prontamente desmascarada na altura. O desenvolvimento da guerra veio confirmar o gigantesco embuste em que fomos envolvidos. Essa questão teve há poucas semanas novos desenvolvimentos quando Trump dirigindo-se a Jed Bush, candidato Republicano nas primárias e irmão de George Bush, lhe disse ser o irmão o culpado de tudo quanto estava a acontecer no Médio Oriente por causa da destruição do Iraque sem justificação. Só gostava de saber se, depois de tanta morte, tanta destruição, de tanto drama, sobretudo o dos refugiados, os protagonistas deste evento, que na gíria político-militar se chama de inventona, estão confortáveis consigo mesmo.
(Tenho para mim que as razões que levaram à guerra são outras. As razões que a América aduzia, armas de destruição maciça, arma nuclear etc, eram falsas e eles sabiam, portanto não eram essas. Por outro lado a Comunidade Internacional acusava os Estados Unidos de terem como verdadeiras razões para a guerra o controle de grandes reservas de petróleo e a reconstrução do Iraque a expensas do próprio Iraque. Mas eu acho que a guerra se tornou inevitável quando Saddam Hussein anunciou só aceitar o Euro como moeda de pagamento do petróleo. Podia ser o fim do Dollar como moeda única de pagamento universal com todas as implicações que isso teria.
“A verdade em política tem que ser escoltada por várias mentiras” Churchill dixit )
Voltando ao tema. Perante este quadro poderá Trump fazer pior? Pode, mas é difícil. Trump não terá cultura ideológica, não terá até cultura mas será certamente um homem inteligente. E sem espartilhos ideológicos nem enfeudamentos a nenhum Clã irá governar como quem faz um negócio. De forma pragmática, com a sensibilidade e a intuição de negociante que são aqueles que sempre sabem de que lado do pão é que está a manteiga. Atente-se a esta aproximação à Rússia com a qual não sentirá qualquer afinidade. Trump tem medo da China e tem ainda mais medo que a Rússia e a China formem um bloco. A única forma de equilibrar é fazer ele próprio uma aliança com a Rússia. Isto é pragmatismo. E é este pragmatismo que poucos políticos são capazes de exibir. Veja-se este exemplo pela negativa: quando da dissolução do Bloco Soviético a Comunidade Europeia fez uma política de assédio a todos os países que o constituíam e com bons resultados. Todos eles pertencem hoje à Comunidade Europeia. Todos excepto um. E até mesmo quando a Rússia cambaleava ao ritmo de Ieltsin e cedia a toda e qualquer exigência do Mundo Ocidental nem assim foi convidada a entrar para conjunto Europeu. Antes pelo contrário. A Europa refém dos seus tabus e complexos preferiu manter bem vivo o seu ódio de estimação. Apesar da alteração das circunstâncias a Europa preferiu continuar a ver os Russos como…Russos. Fez-nos falta na altura um Willy Brandt com a sua Ostpolitik (política para o Leste) essa visão descomplexada das relações entre Países, essa busca de sinergias num conjunto onde pode haver cumplicidades mesmo sem haver afinidades. Também era bom poder contar com a contribuição de um Charles de Gaulle com a sua visão estratégica e a sua independência. Charles de Gaulle vetou duas vezes a entrada do Reino Unido na Comunidade Europeia (tinha-nos poupado à vergonha do abandono), retirou a França do Comando Militar da NATO por uma questão de independência e foi a Moscovo enunciar uma verdade geográfica que queria ver replicada na política. “A Europa é do Atlântico aos Urais.”
Estes Homens morreram há muiiiiiito tempo.
Por Manuel Vaz Pires