O troço de linha ferroviária de Foz Tua a Mirandela foi concessionado no ano de 1884 ao Conde da Foz que no ano seguinte a trespassou à Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, o troço de Mirandela a Bragança foi concessionado no ano de 1899 à Companhia Nacional, concessão que foi anulada, tendo sido aberto concurso no ano de 1901 para construção e exploração de que veio a resultar a adjudicação no ano de 1902 a João Lopes da Cruz, que não tendo conseguido obter financiamento, se viu obrigado a trespassar a concessão para a Companhia Nacional dos Caminhos-de-ferro, tendo João da Cruz ficado com a construção. As concessões vieram mais tarde a ser resgatadas a favor da Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses.
No ano de 1930 foi mandado elaborar novo plano de revisão do sistema ferroviário nacional, tendo os estudos preparatórios a norte do Douro sido entregues ao Conselheiro José Fernando de Sousa, que propôs para Trás-os-Montes, a integração de linhas, com uma malha mais densa que incluía a ligação a Valpaços, Vinhais e a Vimioso (minas de Santo Adrião).
Referia o Conselheiro José Fernando de Sousa, na sua comunicação apresentada ao II Congresso de Trás-os-Montes, ano de 1941, a propósito da situação da linhas ferroviárias em Trás-os-Montes, que o Anuário de 1929 indicava que a relação entre despesa e receita das linhas transmontanas era desolador, que analisados os dados de 1939, os prejuízos tinham aumentado, em resultado da diminuição no transporte de passageiros e de mercadorias, situação provocada pela crise iniciada no ano de 1929. Salientava ser necessário melhorar a tração, tornando-o mais económico, recorrendo a automotoras, visto os estudos realizados indicarem não ser viável a electrificação.
A falta de investimento na manutenção e modernização ferroviária ocorreu por falta de condições políticas e financeiras e pelo facto de a prioridade de investimento público ter sido orientado para a construção de barragens, de estradas, escolas e hospitais. Num determinado período, a frequência diária de viagens diminuiu para a de comboio único diário, que saia às 8 horas da manhã de Bragança, para regressar às 8 horas da noite. Após a Segunda Guerra Mundial, os comboios não tinham horário de chegada, os atrasos eram de 5, 10 e às vezes 24 horas.
No ano de 1955, na linha do Tua foram colocadas em circulação automotoras da Série 9300, a primeira viagem até Bragança foi realizada no dia 3 de outubro desse ano, vieram substituir as automotoras ME 7 e 8, de reduzida capacidade para a procura, momento que correspondeu a uma evidente melhoria no material circulante. No entanto, as novas automotoras não podiam ultrapassar os 50 Km hora devido ao difícil traçado da linha e ao seu baixo grau de conservação. Na linha circulavam ainda composições de mercadorias, de passageiros e mistas, puxadas por locomotivas a vapor. No ano de 1978, já não circulavam locomotivas a vapor em Portugal.
Os problemas de segurança eram muitos, refere-se a título de exemplo dois acidentes, um ocorrido a 14 de abril de 1943, entre a estação de Mirandela e Carvalhais, com uma carruagem do comboio-correio, que seguia apinhada de passageiros, acidente em que faleceram 10 pessoas e houve muitos feridos, outro ocorrido no mês de junho de 1962, provocado pelo desabamento de grandes massas rochosas dos taludes, no troço próximo da estação do Tua, em consequência da forte invernia, situação que obrigou à construção de uma nova ponte exigindo estudos minuciosos e alguns meses de interrupção da circulação. O serviço de transporte de passageiros passou a ser assegurado por meio de autocarros, entre as estações do Tua e do Cachão, funcionando o serviço ferroviário dessa estação até Bragança. Persistia o problema da intrerrupção do abastecimento regular à região, nomeadamente de adubos para iniciar as sementeiras e o escoamento de bens agrícolas, como a batata de semente, os cereais que permaneciam nos silos e nas adegas dos lavradores. Esta grave situação obrigou as autoridades do distrito e os responsáveis dos Grémios da Lavoura a manifestarem-se junto do Governo. O Ministro da Comunicações decidiu por um plano de emergência através do qual a CP pudesse abastecer esta região agrícola, utilizando as linhas do Douro, do Corgo, do Tua e do Sabor e daí para as zonas de consumo através de camionagem. A previsão para o transporte era de dezasseis mil toneladas a fornecer em dois meses. Este transporte de emergência seria no percurso inverso, utilizado para escoar as dezenas de milhares de toneladas de centeio e de trigo armazenadas.
No ano de 1984 entrou em vigor o Regime Simplificado de Exploração e tudo se complicou. O Plano de Modernização e Reconversão de Caminhos de Ferro Portugueses, aprovado por resolução do Conselho de Ministros de 4 de fevereiro de 1988, determinou o encerramento das linhas da C.P. consideradas como secundárias – linhas de reduzido tráfego. Refere a referida resolução, que a C.P. explorava nessa data uma rede de 3600 Km, em grande parte envelhecida e que, em 2090 Km de via, nunca tinham sido feitas beneficiações, implicando custos de conservação muito elevados, que o estado de degradação prejudicou a qualidade e receitas do serviço.
O plano da CP para o período de 1984 a 1988, previa o encerramento de 180 estações e apeadeiros e algumas linhas, estando a do Sabor e a do Tâmega na lista das prioridades de encerramento. Nesse Plano estava previsto o encerramento de dezasseis ramais ferroviários. Na visita oficial feita a Bragança, a 29 de abril de 1985, o Primeiro-ministro Dr. Mário Soares, reagindo às preocupações apresentadas pelo Presidente da Câmara Municipal, Eng.º José Luís Pinheiro, relativas ao destino da Linha do caminho de Ferro do Tua, manifestou reservas quanto á viabilidade de manutenção da linha, lembrando os pesados défices das empresas públicas de transportes.
Também durante a Presidência Aberta, de 15 a 26 de fevereiro de 1987, realizada na cidade de Bragança, o tema foi abordado em notícia relativa à viagem do Presidente da República, feita de comboio entre Bragança e a estação de Frechas. Esta foi a última locomotiva a vapor que partiu da estação de Bragança, registado o momento por Jorge Morais. A velocidade máxima atingida não chegou aos trinta Km/hora. Ao longo do percurso, muitos cidadãos se concentraram nos apeadeiros e estações, com cartazes e tarjas com slogans “não nos tirem o comboio”.
A estrutura da linha estava com problemas diversos em vários troços, falta de brita, travessas soltas e deficiente fixação dos carris, mantendo-se a estrutura tal como tinha sido executada há cerca de 100 anos. O Dr. Mário Soares regressou a Bragança nos dias 20 e 21 de fevereiro de 1988 para presidir ao encerramento das Comemorações dos 800 anos da atribuição do 1.º foral a Bragança pelo Rei D. Sancho I. Congratulou-se com o bom andamento das três grandes reivindicações que há um ano atrás o povo do Nordeste fizera: O Itinerário da IP4, a criação e instalação do Instituto Politécnico (ano de 1983), e o Aproveitamento Hidráulico do Alto Sabor.
Já quanto à linha férrea tudo continuou na mesma, os problemas agravaram-se com um acidente a 15 de dezembro de 1991, no troço de linha entre Mirandela e Macedo, o que levou ao encerramento deste troço, tendo entrado em funcionamento autocarros de substituição para o transbordo de passageiros. A população percebeu o que se seguia e o objetivo da CP, e por isso protestou contra o serviço alternativo de transporte por autocarro e no primeiro dia, na aldeia de Fermentãos, a população bloqueou a estrada e tentou retirar os pneus do autocarro da empresa de Viação do Tâmega, ao serviço da CP.
A GNR interveio e a barricada foi levantada às 6 horas da manhã, exigindo a população ser ouvida pelo Governador Civil, a fim de ser esclarecida sobre o que se estava a passar, visto os comboios que circulavam não atingiam mais de 20 a 25 Km por hora, quando há um século atingiam os 45 a 50 Km. A população de outras aldeias reagiu protestando, logo de seguida, no dia 18 de dezembro, a população das aldeias de Salsas e Cortiços procederam ao corte das estradas e bloqueio dos autocarros, obrigando a GNR a intervir.
No dia anterior, 17 de dezembro de 1991, pelas 16,15 horas ao Km 114,300, próximo da aldeia de Sortes, descarrilou uma automotora que circulava de Macedo de Cavaleiros para Bragança, tendo tombado por uma ribanceira com cerca de 50 metros de altura, transportava três passageiros. No troço de Carvalhais a Bragança, desde 17 dezembro de 1991 não voltaram a circular comboios, a CP por comunicado tornado público anunciou o encerramento definitivo. O encerramento foi consumado no mês de outubro do ano seguinte, com a retirada das locomotivas e carruagens das estações de Bragança e de Macedo de Cavaleiros.
Reagiram contra o encerramento os partidos políticos, PSD; PS; APU; reagiu o NERBA, a Câmara Municipal de Mirandela e outras instituições. No dia 23 de marçode 1992, em Bragança realizou-se uma manifestação de protesto que juntou associações sócio económicas, organizações sindicais, autarcas, associações comerciais de Bragança, Mirandela e Macedo de Cavaleiros, diversas organizações oficiais e particulares e centenas de cidadãos.
Na noite de 13 para 14 de outubro de 1992, em Bragança, pelas 23 horas do dia 13, a CP deu início a uma operação de remoção das automotoras utilizando na operação autogruas para o carregamento das automotoras e outro material circulante, holofotes ligados a geradores que aí colocaram para executar a operação de carregamento para camiões TIR, operação apoiada por forte dispositivo policial da GNR e da PSP. Por volta da meia-noite iniciou-se a operação de carregamento, o primeiro camião saiu por volta da meia-noite e meia, protegido por batedores da GNR e por carros da GNR com agentes armados. Nessa noite, as comunicações telefónicas e frequências das rádios locais estavam cortadas, nos concelhos de Bragança, Vinhais, Macedo de Cavaleiros e Mirandela. Dezenas de pessoas manifestaram-se tentando impedir o carregamento das locomotivas e carruagens, mas a determinação policial e preparação logística da operação, não permitiram qualquer interferência, nessa mesma noite, da estação de Macedo de Cavaleiros, saiu algum material circulante aí estacionado, com destino a Mirandela.
Foi de facto o golpe fatal na ligação ferroviária que, apesar das deficientes condições de funcionamento, de falta de segurança, garantia ainda o transporte de mais de meio milhão de passageiros por ano, meia dúzia de anos antes (1986) tinham sido transportadas 25 mil toneladas de adubo. Como já referido, desde 17 de dezembro de 1991 que o comboio não voltou a circular no troço da linha entre a estação de Carvalhais em Mirandela e a cidade de Bragança. Ficou em operação o troço de Mirandela ao Tua, no resto da via ficaram temporariamente os transportes de substituição por autocarro, que tinham por missão “esgotar” o processo de encerramento da linha, com prazo determinado.
No ano de 2001, saíram de circulação as locomotivas Alsthom e as carruagens “Napolitanas”. Entrou em operação o Metro de Mirandela – empresa municipal participada em 10% pela C.P., com o objetivo de fazer a ligação entre Mirandela e a estação de Carvalhais – que assim passou a operar entre Carvalhais e Foz Tua, mediante concessão por parte da CP.
Em abril de 2001, uma parte da plataforma da linha caiu para o rio Tua e a circulação foi interrompida durante vários dias. A 12 de fevereiro de 2007, perto do apeadeiro de Castanheira, um deslizamento de terras provocou o descarrilamento da automotora Bruxelas, caiu para o lado oposto do rio, morreram três dos cinco passageiros, tendo a linha reaberto no mês de janeiro de 2008. A 6 de junho de 2008, uma composição descarrilou perto da estação de Foz Tua, ferindo o maquinista e dois passageiros. No mês de agosto de 2008, perto da estação de Brunheda, Carrazeda de Ansiães, ocorreu um acidente por descarrilamento que provocou dois mortos e dezenas de feridos.
A Secretaria de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino determinou o encerramento da linha entre as estações do Cachão e Foz Tua. A C.P. contratou uma frota de quatro táxis para realizar oito ligações diárias, servindo todas as estações nesse troço. A 1 de julho de 2012, a C.P. deixou de financiar o serviço de táxis, que deixou de circular e a CP oficialmente desativou a linha do Tua, que deixou de integrar a Rede Ferroviária Nacional. A aprovação da construção da barragem do Tua a cota que submerge 16 dos 60 Km do ramal de Foz Tua a Mirandela, arrumou de vez, possivelmente durante séculos, a possibilidade de este corredor ferroviário voltar a ser reativado, de se poder retomar a visão e decisão tomada a sete de fevereiro de 1879 pelo Ministro das Obras Públicas, de construir a linha do Tua com via larga e ligação a Espanha, situação que hoje poderia ser encarada numa perspetiva mais consistente, dada a proximidade da linha de alta velocidade, na Puebla de Sanábria. A região perdeu no presente e numa perspectiva de futuro, considerando ser este meio de transporte um dos mais económicos, competitivos e sustentáveis.
Na segunda semana de novembro de 2015, foi noticiado o início dos trabalhos de levantamento dos carris e travessas da linha do Tua no troço entre o Km 3 e o Km 21 que vai ficar submerso com a construção da Barragem do Tua. Cento e vinte e oito anos desde a inauguração deste troço de via-férrea, que foi o de execução mais complexa, foi definitivamente registada a eliminação da linha do Tua. Resta-nos a esperânça de que no futuro o corredor fluvial e ferroviário do Douro, em desenvolvimento, possa vir a ser ligado por ferrovia de via larga, desde o Pocinho à estação ferroviária de Puebla de Sanábria, ligando o Nordestre Transmontano à rede Ferroviária Europeia.
Parte V - Exploração e encerramento definitivo da linha ferriviária do Tua a Bragança
Jorge Nunes