Abril de 2016: Paris. Regressei à capital francesa após quatro anos e, embora os monumentos e a azáfama que caracterizam a metrópole continuassem lá, o estilo de vida parecia comprometido. “Não tenhas medo de ter medo”, era uma das frases que mais repetia para mim mesma.
Embora indo de férias e querendo manter os meus planos, as duas semanas que separaram a minha chegada, dos atentados de Bruxelas, fizeram-me sentir que, afinal, esse “medo” não era apenas um uma história contada nos noticiários televisivos ou um sentimento distante que apenas diz respeito àqueles que estão directamente envolvidos nos assuntos relacionados com o terrorismo. “Não tenho medo”, dizia à saída do aeroporto do Porto. Uma afirmação que foi perdendo convicção, durante a minha estadia.
À chegada ao aeroporto, ainda que fosse o mais pequeno que serve a capital francesa, situado em Beauvais, utilizado por companhias aéreas low-cost, o reforço de segurança fazia-se igualmente sentir, não tivesse sido declarado o estado de emergência. Militares armados faziam rondas e dissipavam suspeitas. Inocentemente, peguei no telemóvel e, pensava eu, que disfarçadamente, tirei uma foto a um dos militares. Aquilo que parecia ser um registo do estado em que se encontrava o país, acabou por ser apagado, já que o militar, que parecia distraído, a isso me obrigou. Logo à chegada estavam anunciadas algumas das preocupações que fariam parte do meu dia a dia nas duas semanas que passei em Paris: ter cuidado com as fotos que tirava, “inspeccionar” tudo aquilo que estava à minha volta e agir com cuidado. Os pormenores contavam. A desconfiança era a regra e não a excepção, a liberdade estava claramente condicionada.
Nos dias que se seguiram, a grande preocupação era ter de utilizar os transportes públicos. Para chegar ao coração da cidade, redescobrir os monumentos e o encantador estilo de vida parisiense era necessário apanhar o RER, o comboio que serve Paris e arredores e que complementa a linha de metro. Dependendo do local escolhido para a visita turística, saía do RER e podia ter ainda que apanhar o metro. O mesmo acontecia no regresso a casa. Aquilo que parecia ser um reforço da segurança nos aeroportos, monumentos, museus e edifícios do Estado, não o era tão evidente nos transportes. Tentava-se acreditar que a polícia estaria a fazer o seu trabalho mas, efectivamente, a presença dos militares armados, poderia retirar alguma liberdade de acção e até incomodar mas inspirava segurança. Apenas me cruzei uma vez com militares numa estação de metro, nos quinze dias que o utilizei.
Para mim, o mais difícil ainda era o RER. Um comboio de dois andares, carregado de gente, sobretudo nas horas de ponta e que contemplava a paragem da Disneyland, parecia-me um alvo apetecível para o Daesh. Um dia, enquanto fazia o percurso entre a pequena cidade nos arredores de Saint-Thibault-des-Vignes e o coração de Paris, pensava nesta e noutras coisas, olhando pelo vidro do comboio para os lagos e a calma aparente que caracteriza esta zona dos subúrbios da capital, interrompo os meus pensamentos com a entrada de um jovem, que para mim era suspeito. Características idênticas às dos jovens terroristas de Paris e Bruxelas e, provavelmente de origem árabe. Trazia consigo uma mochila. Parecia nervoso, olhava para os passageiros e mexia no telemóvel. Dei por mim a entrar em paranóia, a pensar que poderia ser um terrorista e que se podia fazer explodir a qualquer momento. Disse ao meu namorado para abandonarmos o comboio na próxima estação, comecei a entrar num ataque de pânico mas fui chamada à realidade por ele e consegui conter-me. O jovem, para mim suspeito, sentiu-se incomodado e mudou de lugar.
Não sei o que me aconteceu, um misto de medo do meu subconsciente, agravado pelas notícias que via todos os dias na televisão e nas redes sociais e que parecia que, em França, ainda eram piores. Por esses dias, tinha sido preso aquele que se pensa ser o “terrorista do chapéu”, envolvido nos atentados de Paris e Bruxelas. Talvez por isso o meu medo se tenha agravado, já que os últimos atentados (em Bruxelas) aconteceram após a detenção de outro terrorista (Salah Abdeslam). Nesse dia, tive de admitir: senti medo. Acalmei-me e tentei, a partir daí, ignorar tudo aquilo que me fazia ter medo, sob pena de não desfrutar dos dias de férias que me restavam. Afinal, o que não faltavam nos transportes públicos eram jovens com mochilas e, qualquer um deles, podia ser terrorista. Se fosse desconfiar de todos eles, o melhor era não sair de casa.
Uma coisa é certa: em Paris a dúvida não é que possa haver outro atentado, mas sim, quando é que ele poderá voltar a acontecer. Parece que há uma bomba -relógio que pode explodir a qualquer momento. Há quem diga que Junho é um dos meses mais prováveis para um novo atentado e, segundo os media franceses, essa intenção até já foi revelada pelos terroristas que estão a colaborar com a polícia. Resta saber se foi ou não abandonada. De facto, o EURO 2016, que começa em Paris a 10 de Junho, faz temer, até pelo número de pessoas que irá concentrar, não só francesas, mas de toda a Europa, um novo ataque terrorista.
O primeiro jogo, França - Roménia, realiza-se precisamente no Estádio de França, em St-Denis, um dos locais manchado pelos ataques terroristas de Novembro. Foi também neste subúrbio, onde a maioria dos habitantes são imigrantes, que a polícia francesa levou a cabo uma operação que culminou com a morte de dois terroristas e a detenção de sete pessoas.
O turismo também tem sofrido com a tensão que se faz sentir. “Se houver outro atentado, provavelmente muitos colegas terão que ir para o desemprego”, confessou-me um familiar, condutor de autocarros de excursões turísticas no centro de Paris, que notou já uma grande diminuição do serviço, desde os atentados de Novembro, agravada com os de Bruxelas.
O romantismo que faz com que Paris seja uma das cidades mais visitadas do Mundo está notoriamente comprometido com a ameaça do terrorismo. Uma ameaça que se sente no frenético dia-a-dia da cidade, que tenta disfarçar o medo.
Por Sara Geraldes