O Homem de Abril

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No dia 3 de Abril de 1992, chegou-me a infausta notícia da morte do Homem, do meu querido amigo Fernando Salgueiro Maia, o exímio executor do plano que conduziu à tão aguardada por nós opositores, a queda da ditadura salazarista. A maldita maleita atormentava-o há muito tempo, quando a quebra física se acentuou refugiei-me no casulo qual vagem de maneira a ficar como ficou na minha memória a sua imagem radiosa, exuberante, contagiosa de alacridade a derramar-se sobre a família e os amigos. Agora, ao demoradamente contemplar a foto inserida na capa da revista do Expresso toldaram-se-me os olhos e, aquele seu olhar triste trouxe à boca o fel do remorso de não ter ido ao aeroporto quando chegou de Londres e a sua amada e devotada Mulher e dois comuns amigos o acompanharam a caminho do hospital. Iniciaram-se as comemorações dos 50 anos da restituição ao povo da expressão livre de alicates censórios, da castração mental dos espíritos, do abastardamento das consciências, daí ser natural e justo aparecer em primeiro lugar, em primeiro plano a figura do Homem cujo comportamento posterior à vitória se materializou no regresso ao quotidiano, à frequência do curso de promoção a Oficial superior na companhia dos camaradas brigantinos Moura Carneiro e Remondes em sã convívio desprovido de ademanes de vedeta estilo Patton ou do Caco leia-se Spínola apesar de vários façanhudos da «arma das rainhas» o incitarem como tantas vezes presenciei em Santarém e Santa Margarida, pois o excelso Capitão convidava-me a acompanhá-lo em várias ocasiões de júbilo e de cariz cultural. O Salgueiro Maia nutria gravidíssimo respeito ante a cultura e o engrandecimento através do estudo e investigação relativamente à génese da Humanidade e elementos contrastantes do comportamento humano assim é irrefutável logo demonstrável lendo os seus trabalhos de licenciatura em Antropologia cultural. Inimigo da táctica das arcas encoiradas pagou caro o desassombro no domínio do falar sem tibiezas, sem gorgomilos e estrias na língua suportando ágrio «exílio» em S. Miguel onde enfrentou galhardamente a turba separatista acantonada numa livraria de Ponta Delgada. Na sua Escola Prática de Cavalaria, já doente, dedicou-se a enriquecer e organizar o Museu da reputada unidade, revejo-o num almoço por ocasião do Festival Nacional de Gastronomia, o então Presidente da Câmara da sua terra natal, Castelo de Vide acompanhava-o, censurou-me brandamente pela minha fuga para a torre na qual o Homem de Abril estava como no dia em que no Terreiro do Paço disse a Ferrand de Almeida que a ditadura estava finita. E, estava! As revoluções são ingratas para as suas figuras para as suas evoluções são sinónimo de ingratidão de maior saliência ao ponto de as imolar em banhos de sangue (lembro Machado dos Santos, Carlos da Maia, o transmontano António Granjo entre outros), felizmente, no que tange ao 25 de Abril a sageza de Melo Antunes impediu a repetição da noite da infâmia onde o celerado Dente de Ouro praticou monstruosidades, pois no rescaldo do 25 de Novembro apareceram os adeptos da «limpeza» dos derrotados livrando o País da mais que possível eclosão de outra guerra civil satisfazendo os desejos dos «democratas» acoitados no cabanal franquista a conspirar e comerem tortilhas nas tabernas madrilenas. O Capitão cumpriu escrupulosamente as instruções de Eanes, retirou um subalterno do poço dos vencidos e por isso sofreu as investidas de muitos envinagrados contra o Homem de Abril, das duas datas substantivas da História contemporânea portuguesa. Apesar dos muitos erros praticados ao longo dos últimos 48 amos, ultrapassando as quatro dúzias da Ditadura, só por rancor e sulfurosa azia os ingratos desvalidos da pulsão de ver sem argueiros na vista podem negar quão importante foi a acção levada a cabo na madrugada do dia 25 do quarto mês do ano de 1974. Bem sei, sabemos, quão fácil é julgamentos (o Eclesiastes adverte: não julgarás), todavia no respeitante a Salgueiro Maia já escrevi e volto a escrever que nunca conheci e convivi com alguém tão generoso, tão amante de dar sem nenhuma espécie de interesse como ele. A pureza do ideal de se construir uma democracia dentro dos parâmetros clássicos da oriunda de Atenas de Péricles, plasmou-o O Capitão prematuramente desaparecido para prejuízo do Ser português em vez do triunfo (agora posto em causa dada a nefanda guerra da e na Ucrânia) do Ter tudo quanto cada qual possa arrecadar por nás e nefas de toda a ordem e desordenadamente. Se para mim 25 de Abril sempre, ao meu Amigo Salgueiro Maia o fico a dever, preclaro Cidadãos.

Armando Fernandes