Três acontecimentos notáveis balizam a História de Portugal no século passado, dois dos quais são comemorados no mês de Abril: a batalha de La Lys, assim designada porque ocorreu no vale da ribeira de La Lys, na região da Flandres Francesa, no decurso da I Grande Guerra, com trágico fastígio no dia 9 de Abril de 1918 e, 56 anos mais tarde, o golpe de estado militar de 25 de Abril de 1974, que desencadeou a chamada Revolução dos Cravos.
Entrementes, mais precisamente a 18 de Dezembro de 1961, eclodiu outro inglório evento da História de Portugal - a Invasão de Goa, que as forças armadas indianas designaram por Operação Vijay, ou da Libertação de Goa, realizando-a por terra, mar e ar com forças esmagadoramente desproporcionadas, e pondo termo à presença portuguesa de quase 500 anos na chamada costa do Malabar, mais concretamente em Goa, Damão, Diu e outros locais menos conhecidos.
Todavia, é a batalha de La Lys, na qual o exército alemão infligiu uma derrota demolidora às tropas portuguesas que é considerada o maior insucesso militar depois da batalha de Alcácer-Quibir, que ocorreu em 1578.
O golpe militar de 1974 foi o derradeiro acto da vulgarmente designada Guerra Colonial, Guerra do Ultramar ou Guerra de África, que as forças opositoras preferiam chamar de Guerra de Libertação e que encerrou, definitivamente, o império português, o quinto império, o império místico de Pessoa e outros notáveis.
Três acontecimentos militares relevantes, portanto, que tiveram os seus próprios heróis e também, verdade seja dita, muitos mais de quem se costuma dizer que não reza a História.
Tenha-se em conta que “herói” é quem protagoniza ações de extrema coragem e abnegação, sem motivações egoístas, sempre em benefício de outrem e com respeito por princípios morais e éticos, podendo ser-se herói civil ou militar, na paz ou na guerra.
O herói mais celebrado de La Lys é sem dúvida o transmontano soldado Milhões, mas muitos outros houve que, muito embora não sejam assim tão conhecidos, também cometeram actos de insuperável coragem e abnegação, dos quais destaco os flavienses coronel Bento Roma e capitão Ribeiro de Carvalho que, entre outros feitos notáveis, efectuaram raides temerários às linhas inimigas fazendo prisioneiros.
Também na Invasão de Goa se cobriram de glória o comandante Cunha de Aragão que comandava o aviso Afonso de Albuquerque e que foi gravemente ferido, o segundo-tenente Oliveira e Carmo, comandante da Lancha Veja e o alferes Santiago de Carvalho, que morreram em combate.
Quanto ao 25 de Abril propriamente dito, não se poderá em rigor afirmar que teve heróis porquanto os riscos eram insignificantes face às reduzidas forças opositoras, para lá de que as motivações principais dos seus intervenientes foram fundamentalmente de natureza pessoal e corporativa e não patrióticas, na verdadeira acepção da palavra.
Poderá dizer-se, todavia, que o 25 de Abril ainda não passou à História, porquanto nem tudo já está escrito com a necessária isenção, justiça e rigor científico. Os factos estão consumados, é certo, as feridas do corpo saradas mas as mágoas da alma de muitos que no Ultramar viveram ou combateram, ainda não.
Uma coisa é certa, porém: quer em La Lys, quer em Goa ou em 25 de Abril, os militares portugueses foram os bodes expiatórios redentores das más políticas prevalecentes, devendo realçar-se que por três vezes as Forças Armada Portuguesas se assumiram como verdadeiras forças de libertação.
Assim foi em 25 de Abril com o golpe de estado que abriu as portas à democracia, assim foi em 25 de Novembro quando libertaram Portugal da barbárie anarco-comunista e assim foi anteriormente nas derradeiras guerras do Império, quando rasgaram estradas, edificaram escolas e hospitais, dispensaram cuidados médicos, promoveram desenvolvimento e harmonia racial e garantiram a paz em todas as povoações, grandes ou pequenas. Panorama esse que regrediu tragicamente quando a retirada se operou, dando lugar à fome e à miséria generalizadas e a guerras bem mais cruéis e devastadoras.
As Forças Armadas Portuguesas da Guerra do Ultramar foram, sem dúvida, o exército mais humano de que há memória, servido por milhares de heróis brancos, negros e amarelos, que merecem ser justamente glorificados e nunca aviltados. Pessoalmente sinto o maior orgulho em ter integrado as suas fileiras.
São estas Forças Armadas que, lamentavelmente, mais uma vez, os políticos de hoje, civis e militares, persistem em ostracizar, até ao dia em que, de novo, precisem de carne fresca para canhão.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.