Foi seu pai Manuel Pereira, natural de Chacim. Pertencia a uma família de mercadores, com dois irmãos casados em Torre de Moncorvo. Uma filha de Manuel e de sua primeira mulher (Brites da Costa), chamou-se Filipa Pereira e na sua descendência, nasceu Jacob Rodrigues Pereira,(1) que se notabilizou em França, com a criação de um alfabeto para educação dos surdos-mudos.
Isabel Antónia se chamou a segunda mulher de Manuel, mãe de Gabriel. Era natural de Mirandela, filha de André António e Maria Luís. Por esta parte, se ligam à família Isidro, de Torre de Moncorvo.(2)
Manuel Pereira e Isabel Antónia estabeleceram morada em Mirandela, dedicando-se ao comércio de panos. Ali lhe nasceram os filhos, nomeadamente o Gabriel Pereira, pelo ano de 1629, que, como o pai, seguiu a vida de mercador.
Casou com Violante Nunes, que lhe deu uma filha que batizaram com o nome de Isabel Antónia, a qual viria a casar com Gaspar da Fonseca Henriques, mercador, natural de Trancoso, estabelecido depois em Mirandela.
Ficando viúvo, casou segunda vez com Grácia Mendes, de Trancoso, irmã do dito Gaspar da Fonseca, filhos, ambos de Francisco da Fonseca Henriques, mercador em Trancoso e rendeiro, mais conhecido pela alcunha de Manico. Temos, assim, Gabriel Pereira sogro e cunhado de Gaspar da Fonseca Henriques.
Em casa de Grácia e Gabriel vivia também uma irmã deste, chamada Violante Pereira, que nunca casou, aleijada de um pé e de uma mão, o que a não livrou de ser presa pela inquisição.
Dos filhos do casal, diremos que o mais velho se chamou Manuel Henriques Pereira, nascido por 1658. Frequentou a universidade de Coimbra, onde se formou advogado. Foi escrivão dos Contos do Reino, uma espécie de diretor-geral de Finanças, dos nossos dias.(3) O facto de ser um alto funcionário do Estado e ter de assistir em Lisboa, não o impediu de criar uma boa casa agrícola em Carvalhais, junto a Mirandela, chegando mesmo a ser o maior produtor de linho da região. Em Carvalhais construiu também uma bela moradia que durou até aos anos de 1970. Foi contemplado com várias mercês pelo rei D. Pedro II.(4)
Outro dos filhos do casal chamou-se, como o avô materno, Francisco da Fonseca Henriques e passou à história com o epíteto de Dr. Mirandela, o célebre médico do rei D. João V.
Um terceiro filho do casal foi batizado com o nome de Fernando. Nasceu no dia em que a inquisição prendeu Gabriel Pereira e tinha pouco mais de meio ano quando a mãe foi igualmente levada para a cadeia de Coimbra. Dele, nenhuma outra notícia encontramos, depreendendo que terá falecido em criança.
O ano de 1662 foi terrível em Trás-os-Montes, no que respeita à perseguição inquisitorial. Só em maio desse ano foi decretada a prisão de 78 cristãos-novos Trasmontanos.(5) A vila de Mirandela não foi exceção, constando daquela lista 19 decretados, incluindo a família de Gabriel Pereira e Grácia Mendes que foi toda arrastada pelo vendaval.(6)
Gabriel Pereira foi preso ao início do mês de Junho de 1662,(7) juntamente com outros 5 cristãos-novos, todos aparentados. Como parentes eram vários outros presos na mesma altura em Chacim, Vila Flor, T. Moncorvo e outras terras. O responsável pela condução até Coimbra da coluna de Mirandela foi Miguel Pina, de Torre de Moncorvo, certamente familiar da inquisição, como era recomendado pelo regimento do santo ofício.
As celas da cadeia estariam então superlotadas, e assim se explica que o metessem em uma delas com dois conhecidos seus: João Mendes, de Trancoso e Manuel da Fonseca, de Lebução. Este último, inclusivamente, frequentava a sua casa, em Mirandela e era conhecido como o maior passador de cristãos-novos para Castela.
Olhando o processo de Gabriel Pereira, verifica-se que ele foi acusado de judaizar, por 32 pessoas, a grande maioria familiares, mais ou menos próximos. Por sua vez, ele confessou que se tinha declarado por judeu ou feito cerimónias judaicas com umas 70 pessoas. Era a atitude normal, para ver o seu processo despachado mais facilmente: denunciar todos os familiares e amigos, para não falhar nenhum e ser acusado de diminuto. De resto, confessou que fora ensinado na religião mosaica em casa de seu pai, por sua meia-irmã Filipa Pereira e que se declarou com seu pai e seus irmãos. O seu processo nada apresenta de especial, se bem que constitua instrumento importante para identificação de muita “gente da nação” que com ele se relacionava. Ficou concluído ao cabo de quase dois anos de meio, saindo ele condenado em cárcere e hábito perpétuo, com sequestro de bens, no auto da fé de 26.10.1664.
Voltemos a Mirandela, ao casamento de Gabriel e Grácia. A casa onde ficaram a morar situava-se junto ao palácio dos Pinto Cardoso, senhores do opulento morgadio de Santiago, uma casa que ainda hoje embeleza a antiga Praça intramuros da vila, classificada de monumento nacional, mais conhecida como o palácio dos Condes de Vinhais. No dizer de Grácia, “eram umas casas muito fermosas, em que viviam, que de uma banda a outra partiam com casas de“ Manuel Rodrigues e Jorge da Mesquita, cristãos-novos, irmãos entre si, parentes de Gabriel Pereira, que com ele foram presos.
Os primeiros tempos de vida do casal não seriam fáceis pois que ela se foi de volta a viver em Trancoso, dizendo alguns que o marido lhe dava maus tratos. Outros dizem que se foi por motivos de doença, derivada do clima de Mirandela e que foi curar-se na casa paterna. Facto é que por algum tempo ele assistia em Mirandela e ela em Trancoso. E terão mesmo planeado ir viver para Trancoso, pois que venderam a casa a André Cardoso Pinto, o que os citados parentes seus vizinhos lhe não perdoariam.
Depois, foi na Rua de Santo António, que estabeleceram morada. Era uma casa de sobrado, que ele comprara, 6 ou 7 anos atrás, a António Lopes,(8) cristão-novo, o Mourisquinho, de alcunha. No r/chão tinham a sua loja de fazendas, avaliando-se o recheio em 450 mil réis, quando foi preso.
Dizia-se mercador mas podemos também classifica-lo como industrial de moagem de pão, pois tinha uma azenha no rio Tua, junto a Chelas, equipada com 2 pedras de moer e que valia 150 mil réis. Tinha também diversas propriedades agrícolas para cultivo de cereais, além de uma vinha e uns olivais. Para o serviço de transporte de fazendas, especialmente para as feiras e para o trato das terras, tinha dois machos e com ele trabalhava de empregado um moço solteiro dos lados de Monforte Rio Livre.
Notas:
1 -ANDRADE e GUIMARÃES – Jacob (Francisco) Rodrigues Pereira Cidadão do Mundo, Sefardita e Trasmontano, ed. Lema d’Origem, Porto, 2014.
2 – IDEM – OS ISIDRO, a Epopeia de uma Família de Cristãos-Novos de Torre de Moncorvo, ed. Lema d’Origem, Porto, 2012
3 - TT/Chancelaria de D. Pedro II, lv. 32, f. 148v – Carta de Provedor dos Contos do Reino, dada em 29.11.1685, com o ordenado de 120 mil réis.
4 - Idem, lv.53,f.81v –Alvará para Manuel Pereira da Fonseca, hebreu de nação, ter um tostão por dia, dado em 20.12.1698. Idem, lv. 26, f. 66 – Documento de emprazamento de umas propriedades em Carvalhais ao licenciado Manuel Pereira da Fonseca, irmão do Dr. Francisco da Fonseca Henriques.
5 - Inq. Coimbra, Decretados, lv 71 (1640-1773).
6 - Inq. Coimbra, pº 2773, de Gabriel Pereira; pº 5289, de Grácia Mendes; pº 5659, de Violante Pereira; pº 6882, de Isabel Antónia; pº 6654, de Gaspar da Fonseca.
7 - ANDRADE e GUIMARÃES – O Dr. Francisco da Fonseca Henriques e a sua Família na Inquisição de Coimbra, in Brigantia, vol. XXVI, pp. 189-225, Bragança. 2006.
8 - Inq. Coimbra, pº 4258. António Lopes saiu no auto-da-fé de 9.7.1663. Faleceu em Mirandela em outubro de 1664. Morava na Rua da Ponte, junto à casa do morgado Luís Sequeira, construtor da capela de S. José.