Não é do A. D. N.

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Desta vez os alarmes soaram na Grande Rússia: Putin prepara-se para alterar a idade da aposentação porque a população ativa não chega para cobrir as despesas com as reformas. Em resumo: o fosso demográfico está a aumentar. Face ao alarme, o presidente quer apresentar um pacote de medidas que, na opinião dos especialistas, poderão inverter a tendência verificada desde dois mil e oito. Segundo dados recentes, em 2016, houve uma queda de trinta e duas mil e duzentas pessoas no crescimento populacional o que, em termos globais, agrava o deficit para onze por cento em território russo.

Os especialistas apontam várias causas, que vão desde a insegurança ao alinhamento pró-ocidental, que se traduz em novos processos de socialização e em modelos diferentes das novas gerações se relacionarem. Outros factores contribuem para a baixa natalidade no país dos czares, sendo a pobreza e a crise económica que se instalou factores determinantes, não estando arredado o facto de 25% da população masculina morrer antes dos cinquenta e cinco anos – por consumo excessivo de bebidas alcoólicas, segundo estudos recentes.

Esta tendência, caraterística dos países ocidentais, alastra-se a outros de latitudes diversas e, os que eram considerados ‘nichos’ estão a viver o mesmo drama, sendo o paradigma desta evolução a França onde, são essencialmente, as camadas mais jovens da população (25 a 34 anos) a ter menos filhos. Segundo Laurent Chalard, numa entrevista ao Le Monde, se a crise de dois mil e oito teve influência nos anos subsequentes, não é menos relevante a decisão pessoal de cada um, associada a uma evolução das mentalidades.

Ora, se a questão fosse apenas de mentalidades, países como Portugal, Irlanda e Polónia – tradicionalmente conotados com a máxima do “Crescei e multiplicai-vos” deveriam inverter esta tendência, o que não se verifica. Logo, ou também aqui as mentalidades mudaram, alguém não se apercebeu, ou há variáveis que o mundo académico ainda não contemplou e, consequentemente, os políticos ainda não conhecem. Sem dúvida que os factores económicos são, em nosso entender, mais determinantes que tudo o resto.

Antes de mais, os índices da qualidade de vida são uma variável a considerar. Sendo um direito de qualquer cidadão ter condições de vida condignas, não se pode dissociar isso do direito à habitação, à educação e ao emprego. Ou seja, um longo caminho a percorrer no nosso país. Em termos de educação, ainda recentemente, ficou-se a saber que mais de 1500 crianças de quatro anos ficaram sem vaga no pré-escolar. Em agosto, foi notícia que 21 mil crianças, com seis anos, permanecem no pré-escolar por falta de condições no ciclo seguinte.

No que respeita ao parque habitacional, basta ouvir as notícias mais recentes sobre os custos do aluguer numa qualquer zona do país onde haja atratividade em termos de trabalho para qualquer casal se ver arredado.

Urge, por isso, mais do que multiplicar projetos, criar contratos-programa, onde o poder local se envolva e a sociedade civil participe com vista à assunção de respostas eficazes e localmente aceites. E já agora, tal como Putin, dar mais atenção às famílias jovens no apoio à aquisição da primeira habitação e no reforço das comparticipações familiares já que, hoje em dia, cada vez mais tarde, há condições para deixar a casa dos pais.

Considerando que se pode estar perante uma mudança de mentalidades, deve efetivamente estudar-se a questão da natalidade em Portugal e reforçar as políticas em função dos grupos sociais, sem carácter discriminatório, em vez de criar generalidades para o todo e, consequentemente, a ninguém aproveitam. Mais uma vez, as questões da imigração e das minorias se colocam, sobretudo, na forma como são acolhidas em território nacional. E, caso tudo falhe, que se promovam ou apagões ou se aumente a taxa do audiovisual já que, segundo as Tendências do Imaginário está provado que nos nove meses seguintes o número de nascimentos tende a aumentar. Também há quem reforce a ideia de que o mesmo se consegu após a vitória do clube do coração ou da seleção nacional, mas aqui as probabilidades poderão não ser tantas e, dadas as circunstâncias, é de todo conveniente jogar pelo seguro.

Raúl Gomes