No passado, o ritual da Serra da Velha celebrava-se em Limãos (tal como em muitas aldeias do distrito) na noite da quarta-feira a meio da Quaresma. O despovoamento que atinge o mundo rural contribuiu para a perda desta tradição. Contudo, o fenómeno associativo está dando os seus frutos, no que respeita a este e a muitos outros eventos da nossa cultura popular. Assim é que o Centro Cultural e Recreativo de Limãos, em parceria com a Junta de Freguesia, fez sentir à comunidade a necessidade e as vantagens em recuperar a tradição da Serra da Velha, um facto que tem vindo a acontecer desde há meia dúzia de anos. A decisão da mudança da data para o Sábado de Aleluia, segundo Abrandino Ledesma, presidente da Direção do Centro Cultural, justifica-se pela maior afluência de moradores a viver fota da terra e visitantes que, por altura da Páscoa, acodem à terra. Especula-se a origem e razão de ser desta tradição que, no passado, teria como finalidade achincalhar as mulheres que naquele ano tinham ascendido ao estatuto de avós. Porém, ou- tros etnólogos defendem precisamente o contrário: uma homenagem a estas mulheres que, com a vinda ao mundo de mais crian- ças, seus “netinhos”, contribuem para a manutenção da espécie humana e para o futuro da sua comunidade. Um olhar atento do ritual que hoje se celebra permite-nos constatar ser este o seu significado mais profundo. Aliás, também pela baixíssima natalidade (ou mesmo nula, em alguns anos), hoje homenageiam-se todas as avós da terra, independentemente da sua idade e do ano em que ascenderam a esse estatuto. Tudo num ambiente de compreensão e de alegria, chegando ao ponto de as ditas “velhas” saírem à janela ou à varanda para agradecer e aplaudir o pregão que os celebrantes lhes dedicaram, assim como o “choro” dos autoproclamados “netinhos”. A fórmula do ritual do pre- gão aprovada pela organização para os tempos que correm, em Limãos, acaba por contemplar humor, ironia e poesia popular sobre a temática do amor sem idade:
“Venho da Senhora da Serra
De enterrar o meu marido.
Pelo caminho me disseram:
Ó velha, casa comigo.
Eu casar bem casava
Se não fosse a minha gente.
Olha o diabo da velha Qu’inda tem o forno quente”.
Ato contínuo, o grupo dos serradores, com recurso a alfaias próprias, simula a serração em paus, latas ou cortiços e os “netinhos” gritam, num choro misturado com risos que a toda a assistência contagia. Na continuação, os celebrantes atribuem às “velhas” os dotes mais apropriados à sua condição, atividade que exercem, gos- tos ou preferências de todos conhecidas. De certa forma, também os dotes acabam por configurar a homenagem que todos lhes querem atribuir. E elas reconhecem e aplaudem, num gesto de simpatia vindo da janela ou da varanda de onde assistem agradecidas. Já próximo da meia-noite, o ritual da confissão apresenta-se sob a forma de uma peça de teatro popular, representada pelos respetivos atores: o padre confessor e a velha confessada, num diálogo carregado de humor, sarcasmo e crítica social. São os pecados de toda a comunidade ali tornados públicos, pecados (da velha e do próprio confessor) que, no final, serão extintos pelo fogo.
António Pinelo Tiza