Artistas amadores e decepções de trazer por casa

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Já vos aconteceu estarem a caminhar, a conduzir, a limpar a casa ou noutro cenário em que estejam a ouvir música acima dos decibéis permitidos por lei e pelo bom senso, a pensar na vossa vida, e, de repente, tudo à vossa volta se tornar no próprio videoclip do que estão a ouvir? Uma criança que passa e vos sorri, o céu extremamente azul com um aviãozinho ali no meio, os pára-brisas frenéticos numa tempestade, como que a limpar as vossas próprias lágrimas, uma peça de roupa atirada em fúria para dentro da máquina de lavar, porque já não temos meias emparelhadas e isso não tem jeito nenhum. Tudo com uma carga simbólica fortíssima, enquanto somos actores filmados por várias câmaras, em ângulos artísticos. Podemos (e devemos) cantar a plenos pulmões, sendo até permitido assassinar a canção. Vão com tudo. Não tenham dó. Tenho ideia que isto só acontece quando estamos ou muito felizes ou muito tristes. Não há um meio termo para criar todo um guião assim. A música, de resto, é uma arte que tem este dom - realça a vida, seja o bom ou mau. Dei eu por mim a caminhar na rua, totalmente alheada da realidade por conta do que trazia nos ouvidos, a ponto de me ensurdecer (crianças, isto é perigoso, não reproduzam este comportamento irresponsável, ou podem acabar atropeladas). E, aconteceu. Um dia de sol, apesar de o Inverno estar a chegar e isso se fazer notar. Mas o céu estava limpo, brilhante. Um avião passou a baixa altitude. Outro voava mais acima, só um pequeno pontinho, lá no alto. Ouvia uma das músicas que está a bombar no momento - Love Tonight - o que nem faria muito o meu género, por norma. Bom, a música fala de duas almas que se encontram, que se sentem bem uma com a outra e que prometem que nunca vão falhar, que vão estar sempre lá quando for preciso, porque, finalmente (acrescento eu), é um alguém para a vida toda. É, pelos menos, isto que eu ouço enquanto controlo a vontade de dançar. Isto lembra-me que é mais fácil alguém nos decepcionar do que surpreender, pela positiva. Porque a decepção também pode ser uma surpresa, como levar com uma porta a grande velocidade na cara. O que se promete nesta música é idílico. E é muito mais usual decepcionar do que ser alguém fora da caixa. Porque a decepção vem associada ao corriqueiro, ao previsível. Difícil é ser diferente. Ou talvez a palavra certa seja verdadeiro. Talvez a chave seja não criar expectativas. Mas, a expectativa é humana. Assim como a tristeza de uma decepção nos torna mais humanos. Quem não quereria encontrar outra pessoa que, com a certeza absoluta do mundo, nunca nos decepcionaria? Talvez exista, algures. Talvez seja aquela pessoa com quem nunca perdemos grande tempo porque não nos chamou a atenção, ou com quem deixámos de falar porque o assunto não desenvolvia. Ou, quem sabe, esteja naquele pedido de amizade nas redes sociais que nunca aceitamos. Ou talvez esteja mesmo à nossa frente, a aguardar o momento certo. Isto, sim, é verdadeiramente idílico. Mas, deixem-me continuar a sonhar, entre videoclips caseiros.

Tânia Rei