Sex, 18/03/2005 - 12:42
Era costume em algumas aldeias deste concelho, Vila Boa incluída, proceder à tradição de “serrar a velha”, no meio da Quaresma.
Este costume ao que tudo indica, nasceu da necessidade de quebrar o rigor quaresmal que se vivia, há alguns anos atrás.
Nesse período de jejum e sacrifício, os jogos, as gargalhadas dos serões e até os sinos, deixavam de dar sinais de vida, mergulhando no mesmo sentimento de profunda tristeza e pesar.
Um grupo numeroso de rapazes munidos de um serrote antigo, percorria as ruas da aldeia e à porta de uma velha, iniciava a cerimónia ao som agudo da delgada lâmina e apitos feitos com pedaços de vide, imitando um autêntico choro humano. Um deles, munido de um embude, para avolumar a voz, exclamava:
«Ó minha avozinha, nós vamos-te serrar!»
O coro respondia, lamuriando com gemidos: «Uh, uh, uh, ih, ih, ih!», acrescidos dos sons emitidos pela lâmina do serrote e sobiotes. Depois disto, recitavam:
Estamos no meio da “coresma”,
já a Páscoa vai chegada,
uns dizem serre-se a velha,
e outros a velha é serrada.
A tia Ana da Eira,
É tão limpa e asseada,
Que depois de serrada,
Dá tábuas p’rá masseira!
Esta velhota catita,
a ti ‘ Ana da Caleja,
depois de serrada,
dá tábuas p’rá igreja!
Tábuas p´rás portas da igreja, repetia com ênfase o Beto do Eiró, transportando os apetrechos para outra porta.
E a festa continuava até ao dealvar da madrugada, cuja aspereza era minimizada por uma enorme fogueira à porta do adro da igreja e repetidos goles de causticadora aguardente.
No final de cada quadra, ouviam-se em uníssono os choros e queixumes de todo o grupo.
Esta tradição, estava limitada à algumas localidades de Trás-os-Montes e Beiras, não tinha grande impacto na sociedade e, por isso, a igreja tolerou-a sempre. Aliás, conseguia-se desta forma criar um ambiente de mistério, de transcendência e as pessoas aceitavam a condição de simples mortais, com mais resignação.
As tradições nas aldeias deste concelho estão totalmente perdidas.