Ter, 12/04/2005 - 17:46
Partecipou de modo atibo na fazedura i aprobaçon de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa, assi cumo ne l sou Purmeiro Acreciento. De ls trabalhos que yá dedicou a la lhéngua mirandesa, hai dous que subírten po riba ls outros: “Estudo sociolinguístico do mirandês. Padrões de alternância de códigos e escolha de línguas numa comunidade trilingue” (tese de mestrado); “Línguas em contacto: ‘saber sobre’ o que as distingue. Análise de competências metalinguísticas de crianças mirandesas em idade escolar” (tese de doutoramiento).
Bista l’amportança de l’ambestigaçon de la Porsora Doutora Cristina Martins, subretodo pa ls pais i pa ls porsores, specialmente ls mirandeses, resolbimos anterbistá-la para dar a coincer essa ambestigaçon i, an special, las sues çcobiertas quanto al ansino de la lhéngua mirandesa. Fui nun cantico ameroso de la cidade de Coimbra, mesmo ne ls serenos cunhos de l Mundego, que stubimos dues horas a oubi-la falar de cousas que conhece bien a fondo i por que ten un antusiasmo que se mos apega lhougo als purmeiros minuitos. Ye ua grande amiga de l mirandés i de ls mirandeses, i muito podemos inda sperar de las sues ambestigaçones. Eiqui queda l que registremos de la cumbersa.
JN - An 2003 defendistes, na Ounibersidade de Coimbra, ua tese de doutoramiento cul títalo Líguas em contacto: ‘saber sobre’ o que as distingue. Análise de competências metalinguísticas de crianças mirandesas em idade escolar. Podeis dezir-mos, de modo resumido de que trata la tese?
CM - Peguei num problema concreto: os mirandeses supõem que o saber mirandês é um obstáculo à evolução escolar dos seus filhos (e, logo, à sua progressão social), na medida em que julgam que as crianças não conseguem distinguir bem o mirandês do português (que é a língua veicular do ensino). Tive desde o início a intuição de não deveria ser bem assim, mas também não sabia, na altura, dizer porquê. Admiti, inclusivamente, e quando comecei a pensar no problema, que pudesse haver alguma razão de ser para aquela crença generalizada. Na verdade, pelo menos dois factos objectivos poderiam, até, sustentar esta ideia fortemente implantada na comunidade mirandesa: em primeiro lugar, a acentuada e efectiva afinidade estrutural entre o mirandês e o português (i.e., o facto de as duas línguas serem realmente, e em numerosos aspectos, muito parecidas); em segundo lugar a circunstância de, nos dias de hoje, se observar uma competição entre as duas línguas para as mesmas funções comunicativas (i.e., o facto de não ser inteiramente claro qual o papel que cada uma desempenha na comunidade bilingue em questão). Durante largos séculos, as duas línguas não competiam entre si, pois cada uma ocupava domínios específicos e claros. O mirandês servia determinados objectivos comunicativos e o português servia outros. As duas línguas conviviam na mesma comunidade bilingue, mas não concorriam nos mesmos “espaços de interacção”, como hoje acontece. Ora, estes dois factos poderiam conferir alguma lógica à ideia de que as crianças mirandesas teriam dificuldades em reconhecer as diferenças entre uma língua e a outra e, assim sendo, não poderiam ser ignorados na equação do problema. Mas, e ao mesmo tempo, há muito conhecimento já acumulado sobre a percepção e a aquisição linguística infantis que me levaram a pensar que os factos objectivos que referi não deveriam impedir o desenvolvimento, nas crianças mirandesas, dessa capacidade de reconhecimento e de diferenciação dos idiomas.
JN - Qual fui, anton, la pregunta que bos apreponistes a respunder?
CM - A pergunta a que procurei responder foi: que tipo de mecanismos estão envolvidos na construção, por parte das crianças mirandesas, de uma percepção e representação diferenciadas de duas das línguas que convivem no seu ambiente de ‘input’, o mirandês e o português?
Parti do princípio de que essa construção tinha de começar muito cedo e que envolvia, entre outros, mecanismos de tipo metalinguístico. Traduzindo por miúdos, parti do princípio de que as crianças começam, desde muito, muito cedo, a olhar as línguas que ouvem e que falam como entidades materiais, i.e., como objectos. Reparam nelas e, portanto, elaboram ideias (mais ou menos explícitas) sobre o que observam. As crianças ‘sabem’, realmente, muito ‘sobre’ as língas que existem à sua volta: aprendem a reconhecer muitos dos seus padrões estruturais e também os seus padrões de uso na comunidade linguística. Como as crianças olham para as línguas,e olham para quem as usa e em que circunstâncias, não podem deixar, numa situação de bilinguismo, de reparar não só que as línguas são diferentes, mas também em que medida são diferentes.
A maior parte dos relatos sobre a aquisição bilingue parte do princípio de que a diferenciação das línguas é facilitada quando cada um dos idiomas é associado a um tipo de fonte ou interlocutor específico, por ex., cada um dos pais fala uma língua diferente com a criança ou, como em alguns casos de emigração, uma língua é falada em casa e outra fora de casa. Em Miranda, durante séculos, e como já disse atrás, também foi assim: cada língua tinha as suas funções específicas. Então, coloquei a hipótese de que, para as crianças mirandesas, e dada a actual situação de competição entre idiomas, poderia ser mais difícil e tardio o desenvolvimento do processo de reconhecimento da distinção das duas línguas (mirandês e português).
Pude verificar, porém, que, desde os seis anos, as crianças revelam que distinguem as duas línguas e que tal capacidade melhora com a idade, com a escolarização e, sobretudo, com a frequência da disciplina de Mirandês. Porquê? Porque este disciplina faculta às crianças conhecimentos específicos e dirigidos sobre o mirandês e, logo assim, também sobre o português! Estudar mirandês na escola funciona como uma espécie de atalho que facilita o processo de objectificação das línguas em contacto, ajudando ao reconhecimento e ao controlo sobre o que as distingue. Assim sendo, a frequência das aulas de Mirandês, muito longe de prejudicar o conhecimento que os alunos mirandeses têm da língua portuguesa, facilita o reconhecimento de que o português é uma coisa e o mirandês é outra. Para as crianças mirandesas inseridas no nosso sistema educativo é, todos estamos de acordo, muito importante a percepção da medida em que são diferentes o português e o mirandês. Ao contrário do que numerosas pessoas pensam e advogam, frequentar a disciplina de Mirandês na escola ajuda a alcançar tal objectivo.
JN - Porque ye amportante tratar l tema de l bilhenguismo ne l ansino?
CM - O bilinguismo é uma inevitabilidade, pois a maioria dos habitantes do planeta é bi- ou mesmo plurilingue. A ideia de que em cada país se fala uma só língua nunca foi verdade. O bilinguismo é, portanto, um dado da vida e um tema actualíssimo.
JN - Porque scolhistes tratar l tema de l bilhenguismo alredror l ansino de l mirandés?
CM – Por motivos pessoais, quis, desde o início da minha carreira académica, estudar o complexo fenómeno do bilinguismo, mas a sugestão de me dedicar, no âmbito da minha tese de Mestrado, ao caso mirandês foi-me dada pela minha orientadora, a Professora Doutora Clarinda de Azevedo Maia. Depois de ter concluído o Mestrado e de ter, por causa desse passo na minha carreira académica, conhecido de perto a Terra de Miranda e os mirandeses, não posso esconder que me moveram, para a escolha do tema para o Doutoramento, muitas razões afectivas. Senti, nomeadamente, que era importante contribuir, na medida do possível, para a requalificação do mirandês aos olhos dos seus próprios falantes, pois achei indignos os relatos pessoais que recolhi sobre atitudes de ridicularização e minorização dos mirandeses.
JN - Stávamos antes de ser aprobada la lei que recoinciu l mirandés ...
CM – Sim, pois comecei o meu trabalho de Mestrado em 1991. Mas houve outras razões para a escolha do tema do Doutoramento. Eu própria fui uma criança bilingue (português-inglês) e sei como beneficiei e como devo o sucesso da minha progressão escolar ao facto de ter tido acesso a um ensino formal bilingue. É preciso lembrar que, no meu caso, e como o meu bilinguismo resulta de uma situação de emigração, o português desempenhou precisamente o papel “de segunda” que o mirandês desempenha na comunidade mirandesa. Tal facto não impediu que o português tivesse sido sempre a língua falada em minha casa e não impediu que tivesse aprendido a ler e a escrever em português.
No caso da Terra de Miranda, a verdade é que havia uma questão premente no terreno: as pessoas pensavam que a aprendizagem do mirandês dificultava o sucesso escolar e social dos seus filhos. Ora, é legítimo que as pessoas queiram ter sucesso e é legítimo que queiram evitar todas as circunstâncias que julgam poder dificultar a obtenção desse sucesso, mas perturbava-me que pudessem pensar que, para melhorar as suas vidas, era necessário fazer tudo para erradicar a sua identidade linguística. Como não tinha argumentos consistentes para fundamentar estas minhas sensações e intuições e, logo assim, não tinha respostas para os mirandeses que assim pensavam, fui investigar à procura delas. Penso, aliás, que a investigação científica deve servir, também, interesses práticos. Pode ver-se esta questão em termos de ética democrática: sou professora de uma Universidade pública, a investigação que desenvolvo é financiada pelo Estado e eu tenho obrigação de retribuir com o produto da minha actividade.
JN - Que cunclusiones saquestes na buossa tese?
CM - As crianças vão construindo a sua representação das línguas desde tenra idade. Fazem-no também por construção metalinguística, isto é, pela transformação das línguas em objectos. Esse processo é espontâneo, natural e começa antes da entrada da criança na escola. As crianças têm curiosidade pelas línguas tal como em relação a tudo. Elas são, por exemplo, muito sensíveis às normas de interacção social, desde muito cedo procurando adequar as características do seu discurso ao interlocutor. Assim, uma criança muito nova, diante de um bebé, fala como os adultos falam para o bebé, mas já fala de modo diferente para outra criança. São particularmente sensíveis à identidade do interlocutor.
Nos testes que efectuei com crianças mirandesas verifiquei que, aos seis anos, as crianças já distinguiam perfeitamente as palavras mirandesas das portuguesas, apenas não sendo capazes de verbalizar essa distinção. Verifiquei que havia uma melhoria nessa capacidade de reconhecimento e de verbalização das diferenças entre as duas línguas em função de três factores: a crescente idade, o grau de escolaridade e a frequência da disciplina de Mirandês. Os alunos que frequentavam a disciplina de Mirandês eram os que melhor distinguiam o mirandês do português, o que prova que as aulas de Mirandês, também pelo facto de permitirem uma exposição à forma escrita desta língua, representam um benefício para as crianças.
Concluí, ainda, que as crianças estão ainda naturalmente expostas ao mirandês, isto é, que o mirandês se continua a falar na Terra de Miranda e que está sempre presente na vida das crianças, mesmo sem aulas de mirandês. O mirandês é uma realidade na vida destas crianças e não há, por isso, que meter a cabeça na areia.
JN - Anton, ls porblemas que ls alunos ténen cul pertués nun bénen de l ansino de l mirandés, mas teneran outras ouriges.
CM - Sim. Os alunos mirandeses têm os mesmos problemas que a generalidade dos alunos têm noutras regiões do país. Como pude comprovar através da análise comparativa de textos escritos por alunos mirandeses e por alunos de outras regiões do país, a esmagadora maioria dos problemas detectados é geral e não específica dos alunos mirandeses. Apenas um ou outro aspecto pode ser atribuído à influência específica do mirandês.
É preciso que se pense que noutras regiões de Portugal, não havendo mirandês, há, no entanto, distintas variedades do português faladas pelos alunos e no meio que os rodeia. Também podemos defender que as diferentes variedades do português não devem ser reprimidas, pois são identitárias (aliás, resta saber se erradicar a variação linguística é um objectivo ao alcance de quem que que seja). Dito isto, deixe-me sublinhar que sou das pessoas que defende que é dever fundamental da escola fornecer a todas as crianças um conhecimento tão sólido quanto possível da norma padrão. Esse é um dever de uma escola democrática, pois todos os alunos devem ser preparados para poderem “competir” com as crianças dos meios em que se fala a norma padrão.
JN - L goberno bai a poner l anglés na scuola purmaira, l que yá darie trés lhénguas pa ls alunos mirandeses. Hai uns dous anhos stube na Houlanda cul porsor Domingos Raposo i bimos que na Frísia l goberno tenie un porgrama de eiducaçon an trés lhénguas: houlandés, anglés i frísio, que ye la lhéngua de la region. Achais que l mesmo lema pode ser apuosto als alunos mirandeses?
CM - As questões colocam-se nos mesmos termos quer se trate de duas línguas, quer se trate de mais do que duas. Várias línguas podem ser adquiridas e aprendidas em simultâneo. O trilinguismo é, de resto, hoje muito frequente.
JN - Achais que l ansino de mirandés debe de ser oubrigatório?
CM - Não. Penso que é essencial haver liberdade. Além disso, não me parece que haja condições objectivas para essa obrigatoriedade.
JN - I quanto a ser ua deceplina curricular?
CM - Deve ser, sem dúvida, uma disciplina curricular. Essa é uma questão de dignificação da aprendizagem do mirandês. Deve alterar-se a situação actual quanto a esse aspecto.
JN - La deceplina de mirandés ye dada ua hora por sumana. Achais que chega?
CM - É muito pouco. O mínimo deveria ser de, pelo menos, duas horas semanais.
JN - Que cunseilho dais als pais quanto al ansino de l mirandés puls sous filhos?
CM - Aconselho-os vivamente a inscreverem os seus filhos na disciplina de Mirandês. Toda a evidência mostra que só beneficia o seu conhecimento sobre o próprio português. É pelo contraste que uma língua melhor se pode distinguir de outra, se pode tomar como objecto.
Quanto a os pais a falarem em mirandês com os seus filhos, posso dizer que não tenho nenhum dado que me diga que isso faz mal às crianças.