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Dias de movimento

Ter, 04/11/2025 - 11:43


Há em Bragança, nestes dias de outono, uma cidade que observa, atenta, as direções em que cada um se move. Mais do que os resultados eleitorais, o que verdadeiramente molda o destino de uma comunidade são os movimentos, quase coreográficos, dos que a conduzem, dos que a servem e também dos que a julgam à distância.

A tomada de posse de Isabel Ferreira, encerrando quase três décadas de governação social-democrata, foi mais do que uma cerimónia, foi um rito de passagem. Nela convergiram esperança e expectativa, fé e prudência. Mas, enquanto a cidade se prepara para este “novo futuro”, o tabuleiro político rearranja-se com a subtileza dos jogos de estratégia. Nuno Moreno, eleito pela mesma lista que agora governa, escolheu um caminho independente, invocando questões de confiança e de estilo. Poucos dias depois, Ricardo Pinto, vindo do lado oposto, atravessou a fronteira partidária para se juntar ao executivo, invocando pontes e diálogo. Entre saídas e regressos, fidelidades e desvinculações, ergue-se um padrão que, embora previsível, nunca deixa de surpreender, o das lealdades que se movem, discretamente, na direção do possível.

Em política, os movimentos são raramente lineares. Há quem avance por convicção e quem recue por prudência, quem mude de lugar por ideal e quem o faça por sobrevivência. Mas, em todos os casos, é na justificação pública, cuidadosamente ponderada, que se revela a essência do gesto. E é curioso observar como, em tempos de transição, as palavras escolhidas se tornam quase um espelho do que o poder significa em cada momento, uns falam de confiança, outros de liberdade, uns evocam lealdade, outros serviço. Cada termo é uma peça colocada com precisão num tabuleiro em constante mutação.

Bragança, contudo, não é apenas o cenário onde esses movimentos se desenrolam, é o corpo que sente os seus efeitos. Cada mudança, cada ajuste de posição, cada promessa renovada tem repercussões concretas na vida de quem aqui vive e trabalha. É por isso que o desafio maior não reside em quem ocupa o cargo, mas em como se constrói uma continuidade de propósito, uma linha de coerência entre o ontem e o amanhã. O futuro de uma cidade não se escreve apenas nos programas de governação, mas também na serenidade com que se digerem as transições e se acolhe a diferença.

Há, neste momento político, uma lição discreta sobre a natureza humana. As pessoas movem-se, umas por fé, outras por pragmatismo, todas por alguma forma de crença. E essa mobilidade, longe de ser condenável, é o reflexo da própria vida pública, feita de escolhas e reposicionamentos. O essencial é que, no meio dessa dança de vontades, o centro permaneça firme, o compromisso com Bragança, essa cidade que pede menos muros e mais pontes, menos ruído e mais propósito.

Talvez seja esse o verdadeiro sinal de maturidade democrática, compreender que o movimento faz parte da estabilidade, que a coerência não é imobilidade e que, por vezes, mudar de lugar é apenas uma forma diferente de permanecer. Bragança observa, como sempre, com a serenidade antiga das cidades que aprenderam a esperar e a perceber que, no fim, o tempo revela tudo. Inclusive as intenções com que nos movemos.

Carina Alves, Diretora de Informação.