Cantigas do Maio

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Há pouco tempo recebi a má notícia da morte do meu amigo João Barros, Madeira, natural e médico em Loulé, companheiro e membro da Tuna coimbrã ao lado de Zeca Afonso, o qual me ajudou a purgar o tempo da guerra colonial, dedicado amigo na bancada parlamentar do PRD, extinto devido ao grande e voraz apetite pelo poder revelado pelas vacas sagradas do eanismo, cruelmente exterminado dada a arguta vigilância do Dr. Mário Soares. O João cantava fados e baladas, contava os andares de andarilho do Zeca do traz um amigo também, tendo-me sido precioso conselheiro quando coordenava os trabalhos (depois alterados) do projecto Centro de Interpretação das Canções de Protesto em Grândola. O Maio de 68 encheu-nos de esperança, em Julho chegava à floresta virgem do Mayombe, o João já tenente médico aterrou meses depois, não tardou muito a cantar rugidos de protestos dos opositores do Botas de Santa Comba, naquele emaranhado de árvores, arbustos, de trepadeiras, cobras venenosas, elefantes, gorilas e multidões de mosquitos sedentos de sangue, o algarvio «baladeiro» constituiu-se numa enorme mais-valia para o Batalhão, a nível técnico sanitário porque estava sempre disponível a amparar e curar as populações nativas (fez o parto de uma mãe e uma filha ao mesmo tempo), no campo de «concentração» militar para lá dos benefícios e angústias de todos quantos ousavam murmurar dúvidas acerca da justeza da guerra colonial, deixando o exercício da caça ao preguiçoso pedante e reaccionário tenente capelão Diamantino. Não por acaso a rádio Angola Combatente apelidava-nos de As pombas da paz do Dinge. O professor Marcelo (Caetano) ao tempo ainda constituía uma esperança de democratização do regime, apesar das recomendações e receios dos anti-salazaristas, imperava o nacional-cançonetismo, além de Zeca ressaltava Adriano Correia de Oliveira, o Partido Comunista era a única oposição organizada (em Bragança pura e simplesmente era inane), a Igreja progressista agitava as águas para mágoa do alto clero, no sector estudantil, um aluno de Direito natural de Vinhais trazia de Coimbra panfletos, no distrito de Bragança os assinantes onde jornal República e da revista Seara Nova suscitavam notas pacóvias dos bufos da Legião e cartas anónimas de miseráveis seres humanos. Poucos assumiam a condição de adversários do Estado Novo, o regente agrícola Vicente, os advogados Salazar de Mirandela e Garcia de Miranda do Douro, o revilharista Alferes Fernandes, o farmacêutico Acácio Mariano, o comerciante Miranda Braga, o incomparável humorista Verbo, Cipriano Augusto Lopes, o dono da Casa do Povo, Sr. Arina, o patrão de si mesmo José Réis fechava o cortejo dos democratas. Imperava o aviso jesuíta: prudente como uma serpente. Estamos a comemorar o 46º aniversário do 25 de Abril, para lá das espúrias vanidades, para lá das distorções sofridas ao torto e ao direito consubstanciado no programa, importa levantarmos a voz e o pendão da revolta contra todas as iniquidades, tentativas de castração das liberdades, da imposição do pensamento único pensadas ao longo dos quarenta e seis anos. Felizmente votadas ao desprezo. O Zeca Afonso não sendo um modelo de compreensão do antagonista é um ícone da Revolução abrilista, o seu correligionário Padre Alípio Freitas, nascido em Moimenta, Vinhais, que participou na luta armada no Nordeste Brasileiro afirmava ser o autor de Venham mais cinco o único cantor de intervenção português de gabarito internacional. E, era!

Armando Fernandes