Já quase nas despedidas ainda há tempo para mais um renascer. Sim, porque o Natal é o nascimento do Salvador da Humanidade. No tempo em que o Natal era vivido com muito medo de perseguições e onde as famílias se refugiavam em grutas e cavernas subterrâneas, longe dos olhares e suspeições alheias, a intensidade não era menos forte, nas fracas condições que tinham ao seu dispor. Mas era a festa da família e não queriam intrusos. Cada uma reunia-se à volta do mesmo sentimento de união e na esperança de melhores dias futuros. Vai longe esse tempo. Mas não nos podemos iludir com a distância que tempo interpõe porque hoje o sentimento que preside à reunião familiar é o mesmo de outrora. A única diferença reside no intruso que teima em se manifestar no seio familiar e obriga ao mesmo medo, ao mesmo confinamento e ao distanciamento de outros que desconhecemos serem ou não, guardiões do intruso. Os desejos que todos proferimos com um sorriso e a alegria que nos identifica, não são os mesmos de todos os dias do ano, porque apesar de dizermos que Natal é quando o homem quiser, a verdade é que nem sempre o homem quer. Daí a diferença do nosso comportamento. Este é mais sincero, talvez, mais pessoal e amigo, mais próximo, mais direto e afável. Precisamos de o transmitir, de o gritar para a outra margem, para o outro lado da estrada, para a outra janela, para o vizinho que passa, para nós mesmos. Precisamos de acordar. Este Natal é diferente. Todos o dizem e não demais repeti-lo. É efetivamente diferente, Diferente pelo distanciamento social, pela separação da família, pela falta de união, pela falta dos abraços dos filhos e dos netos, que sentados à mesa, esperando os presentes da meia-noite, nem sequer adormeciam, acreditando que o Pai Natal haveria de descer pela chaminé com o saco das prendas às costas. Essa azáfama insubstituível, nada a faz esquecer, mas ela quase desapareceu neste Natal. Os pais celebraram sozinhos a noite de consoada, sem filhos e sem netos por perto, acompanhados simplesmente pelo sentimento de uma solidão desmerecida, de um quase abandono que o distanciamento e o intruso impuseram no seio das famílias, impedindo a comunhão habitual e salutar que, pelo menos uma vez no ano, existia para muitas delas. Longe de tudo e de todos, os avós e os pais que nas aldeias do interior ansiavam o Natal para comungar da união a que sempre presidiam na companhia dos que vinham da distância para lhes fazer companhia e dar aconchego, hoje viram-se perdidos nesse mesmo tempo, sem referências que lhes permitam manter a esperança de um novo Natal. Mas a culpa não é do tempo nem da distância. Até ao final do ano, muita água vai correr debaixo das pontes, mas o medo a par de uma esperança inesperada, vão manter-se juntos, tendo de permeio sempre o mesmo intruso. É um combate justo, mas de fim incerto. Oxalá a vitória venha a estar do lado do medo, pois seria sinal que o intruso teria soçobrado. Mas não vai ser fácil. Vamos pois continuar a viagem até ao fim de 2020, sempre com a esperança de que possamos desejar que o próximo ano nos traga mais proximidade, menos distanciamento, menos receio, mais alegria e um Natal mais igual a tantos outros em que as crianças acreditavam mesmo no Pai Natal e os avós abraçavam os netos cheios de saudades que a distância impunha, mas que o Natal e o amor eliminavam. Este ano que agora se prepara para terminar e despir a roupa já velha e mal cheirosa do bafio do confinamento, que não se repita, que não tolde a memória dos que cá ficam e esperam um tempo de alegria, de contentamento, de esperança e onde as tradições voltem a ser o que sempre foram. Que venha o próximo, vestido de novo, colorido e vistoso, ufano da sua glória e envolto no glamour das estrelas sem medos e desconfianças. Vamos esquecer 2020, este Natal atípico e desconforme, vamos verter a última lágrima que não pudermos evitar para chorar os que o intruso nos levou e vamos desejar um Novo Ano cheio de coisas boas, com saúde, paz e alegria. Assim seja.