O Cristo Maconde

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Nangololo é uma localidade situada no Planalto dos Macondes, bem no coração de Cabo Delgado, a província mais a norte de Moçambique. Ali, em 1924, padres holandeses fundaram uma importante Missão Católica a partir da qual cristianizaram o aguerrido povo maconde, animista, especialmente notado porque os homens desfiguravam o rosto com golpes profundos e as mulheres usavam brincos aguçados no lábio superior, à laia dos modernos piercings e tatuagens, tão na moda hoje em dia. Enfeites que, dizem os antropólogos, se destinavam, nos primórdios, a dissuadir os esclavagistas árabes de os escravizar, acabando por se constituir em emblemas tribais. O Cristo Maconde Sublime de amor e sofrimento era o Crucifixo que se erguia por cima do altar-mor da enorme igreja da mítica Missão. Talhado em pau-preto, dizia- -se que o artista maconde que o esculpiu se representara a si próprio, em tamanho real, negro e luminoso como o mais puro ébano, não faltando no sagrado rosto do Crucificado tatuagens iguais às que o seu humilde criador exibia na sua própria face. Muito perto de Nangololo teve lugar o primeiro episódio funesto da guerra da independência com o assassinato por guerrilheiros da Frelimo, no dia 24 de Agosto de 1964, de Daniel Boormans, um jovem padre holandês que contava 33 anos à hora da morte, a idade do próprio Cristo. De salientar que o povo maconde, de moto-próprio, acalentou o sonho de se constituir numa pátria autónoma, razão pela qual os nacionalistas principais, de entre os quais destaco Lázaro Kavandame, foram fuzilados pela guerrilha marxista-leninista que na sua sanha totalitária reivindicou a herança colonial íntegra, um tanto à semelhança do que hoje acontece entre Angola e Cabinda. Surgem agora, decorridos quase 50 anos, notícias dramáticas da eclosão de violentos conflitos armados por todo o Cabo Delgado sendo que a mais amarga de todas refere a destruição daquela notável Missão Católica, apontando-se o dedo a islamitas radicais, motivados pelo mais cruel fanatismo religioso. Também se noticia que Cabo Delgado possui riquíssimos recursos energéticos de que o colonialismo português não ousou tirar partido e que igualmente poderão explicar a guerra, a par do remanescente nacionalismo maconde. Reconhecendo a sua incapacidade para controlar a situação o governo de Maputo terá pedido o auxílio da União Europeia e o Governo português ter-se-á declarado disponível para colaborar, designadamente no campo militar. Em Cabo Delgado a História fala por si, a defesa da língua portuguesa conta, a solidariedade com o martirizado povo maconde é um imperativo moral e a possibilidade de uma mais alargada cooperação com o Estado moçambicano não deve ser descurada. Acresce que forças militares portuguesas estão empenhadas, com assinalável sucesso, noutras regiões africanas que nada dizem a Portugal e que a defesa da Europa, ameaçada pelo terrorismo islâmico, se trava igualmente no planalto maconde. Sem esquecer que a memória dos muitos militares portugueses, combatentes da I Grande Guerra e da dita Guerra Colonial, que por lá permanecem sepultados, deve ser honrada, da mesma forma que os mártires nacionalistas macondes não podem continuar esquecidos. É por tudo isto que a disponibilidade declarada pelo Governo português para prestar auxílio militar a Moçambique deve ser encorajada. Sobrepensando, claro está, eventuais baixas em combate.

Henrique Pedro