A indiferença com que as sociedades, nomeadamente as ocidentais, têm encarado a política tem sido objeto de debate sem que, contudo, se tenha alterado a forma como esta dimensão é olhada pelas gerações que se sucedem. E se, até agora, o dedo era apontado às gerações mais novas, este sentimento é agora transversal, seja em termos de nível etário ou de grupo social. Ora, se o resultado é este, pode concluir-se que a receita ou não funcionou ou não foi aplicada, ou quem tem o dever de zelar para que todo o cidadão se sinta envolvido na vivência política decidiu não colocar este assunto na ordem do dia. Não admira pois que, sempre que surgem figuras disruptivas consigam tanto sucesso em tão pouco tempo. Ora, quando se assiste à discussão de quem irá aprovar o orçamento de estado e se perfilam os candidatos às eleições presidenciais, mais do que esgrimir argumentos sobre o modo como o dinheiro dos contribuintes vai ser gasto, parece mais relevante a reflexão sobre a forma como os valores democráticos são assumidos. Neste campo, as expectativas não poderão ser outras senão as que se esperam de quarenta e cinco anos que deveriam ter sido de plena democracia. Porém, esta quando nasceu não foi igual para todos e assim continua, desvirtuando-se o seu sentido e os valores e acentuando-se as desigualdades. Ao analisar as grandes opções orçamentais para o próximo ano, parece que, pela primeira vez, se pensou no aumento dos rendimentos das famílias, pela redução de impostos, nomeadamente o IRS, mediante a redução do que é retido na fonte. O problema é que, quando se proceder à liquidação do imposto, o valor a reembolsar será muito menor, podendo o contribuinte, em alguns casos, ser obrigado a devolver dinheiro ao estado; sobretudo e porque não haverá atualização dos escalões – o que, só por si, irá mais uma vez penalizar as famílias de classe média. Outra das medidas que, à partida, pode ser considerada positiva é o aumento do salário mínimo. É claro que, por princípio, este indicador não só é bom para a economia, como também se reveste de particular importância para as famílias. Numa lógica de mercado, esta medida irá, obviamente, aumentar a procura já que, quem mais precisa, é quem mais tem de gastar. E, nesta perspetiva, mais do que criar condições para que as famílias de baixo rendimento possam ter uma folga no seu orçamento familiar, é um estímulo ao consumo que, a não haver o critério de poupança no agregado, pode resultar num maior endividamento e no aumento do crédito malparado a curto prazo. A melhoria das condições dos grupos socialmente desfavorecidos deveria ser um desiderato nacional sobretudo porque só deste modo se poderão criar condições para que haja maior capacidade de resistir às oscilações de mercado, no futuro. Porém, o momento atual já é de crise e, se por um lado, não se pode por em causa esta necessidade, não se compreende como, no meio de uma crise, se quer pedir às empresas para aumentar os seus esforços em termos de índices remuneratórios, quando são sobejamente conhecidas as fragilidades endémicas que as constrangem. Neste campo, não se pode ser adepto das ideias da direita que considera qualquer aumento salarial como um atentado à viabilidade financeira das empresas o que coloca em causa os postos de trabalho de todos, em benefício de poucos; no entanto, qualquer medida por melhor que seja, desenquadrada do seu contexto redundará em fracasso. Fará, por isso, todo o sentido que se reforcem os programas de recuperação e as políticas orçamentais se alinham com as políticas europeias de onde poderão surgir fundos de sustentabilidade que alicercem as empresas, possibilitando assim alguns investimentos e a recuperação da cota de mercada perdida durante estes meses de pandemia. Em tempos de crise, e embora se lhe continue a chamar de pandemia, importa, sobretudo, deixar de fazer política de acordo com o guião e ser capaz de fazer rupturas com o estabelecido de modo a dar resposta a problemas que não se resolverão de outra forma e continuarão a alimentar populismos tão prejudiciais à própria democracia. Num novo guião não poderá ficar de fora a ideia de que política é mais do que partidos, e o modelo não pode continuar a assentar na ideia de um crescimento infinito quando vivemos num mundo finito.