No texto anterior acompanhamos Manuel Lopes na mudança de Chacim para Lisboa, pelo ano de de 1697. Na Primavera de 1699, aconteceu um verdadeiro êxodo da gente da nação de Chacim e Lebução, Bragança e Mogadouro, diretamente ligada à família de Manuel Lopes. Certamente aterrorizados com as sucessivas vagas de prisões que assolavam Trás-os-Montes, planearam a fuga para Livorno, a partir de Lisboa.(1) O plano terá sido elaborado em conjunto com familiares ou amigos que estavam já vivendo naquela cidade italiana. Concretamente, sabemos que Gaspar Lopes e Manuel Fernandes Pereira, que em Itália viviam, eram conhecidos, amigos, vizinhos e aparentados com o pai de Manuel Lopes. Veja-se a seguinte confissão feita na inquisição de Valhadolid por Luís Lopes Penha, irmão do Manuel: — Haverá 20 anos, estando no Mogadouro com seu pai, António Lopes Pereira (…) lhe dissera que havia dado notícia a Gaspar Lopes, seu vizinho, mercador que era por esse tempo no Mogadouro, como havia instruído na lei a ele declarante e assim cria e seguia como o dito Gaspar. E que também havia dado a mesma notícia a Ana Pereira, mulher do dito Gaspar, sobrinha de seu pai, e a Branca Pereira, filha dos mesmos Gaspar e Ana e a Manuel Fernandes Pereira, médico e marido de Branca Pereira.(2) Eram também aparentados com a família de António Rodrigues Mogadouro, que morreu na inquisição de Lisboa e seu sobrinho Gabriel de Medina, um grande empresário em Livorno, que tinha 4 ou 5 barcos ao seu serviço, segundo informação de Manuel Lopes, pelo que será legítimo colocar a hipótese de o plano de fuga daqueles 48 judeus ter sido arquitetado com ele. Não vamos aqui falar do plano, nem das circunstâncias que envolveram o embarque e a malograda fuga que terminou bem perto. Vamos apenas falar do reencontro de Manuel Lopes com alguns desses familiares que, alguns anos atrás, deixara em Trás-os-Montes, com essa “nação em fuga, de Trás-os-Montes”. Um dos grupos era constituído pelos seus tios Lopo Nunes Ferro e Isabel Cardosa, de Lebução, em cuja casa ele se criara até aos 12 anos. Com eles chegaram 2 de seus filhos, solteiros: Luís Lopes Penha(3) e Manuel Mendes. Neste grupo de gente ida de Lebução contava-se ainda uma filha de Lopo e Isabel, chamada Jerónima da Costa, o marido desta, Dr. Manuel António Nunes, médico (graduado em Salamanca, neto do Dr. Manuel Mendes, de Chaves) e a sua mãe, Violante Nunes (filha do mesmo Dr. Manuel Mendes e de sua primeira mulher, Beatriz Nunes, de Vinhais), v.ª de Ventura da Costa (irmão do citado Lopo Nunes). Integravam ainda o grupo de Lebução a tia Beatriz Cardosa, acompanhada do filho Luís Lopes Penha,(4) da nora, Feliciana Rodrigues (natural de Peyreorade) e 4 netos, o mais velho dos quais andaria pelos 8 anos. Estas 14 pessoas chegaram a Lisboa ao final do mês de Março, conforme contou Manuel Lopes aos inquisidores de Barcelona: — As ditas famílias no tempo que ali estiveram detidas que não sabe o tempo certo, mas lhe parece que foram alguns 20 dias viveram numa casa junto ao Correio, que tinha sido arrendada e prevenida por Domingos da Costa para outra família, que não sabe quem era que havia de vir de Bragança.(5) Da cidade do Porto chegou um outro filho de Lopo e Isabel, chamado Ventura António Nunes Ferro,(6) acompanhado da mulher, Branca Jerónima da Costa, da cunhada, Mécia Marcos, e da sogra Maria Henriques, filhas e mulher do Dr. Francisco Marcos Ferro, de Torre de Moncorvo, que então se encontrava preso na inquisição de Coimbra, acrescentando Manuel Lopes a seguinte informação: — Tendo saído Francisco Marcos da inquisição, foi à cidade do Porto, onde tinha fazenda, e sabendo que a dita sua mulher e filhas estavam fora da inquisição e com esta notícia o dito Francisco Marcos foi a Lisboa e dali mandou-as chamar e foram para Faro, onde de presente vive, com tenda de diferentes mercadorias (…) e ele tinha-os visto em Lisboa (…) em casa dos sobreditos que era na Rua da Palma.(7) Ao Lagar do Sebo, em Lisboa, iam muitas vezes o Manuel Lopes e o irmão e mais ainda a Beatriz Pereira, sua cunhada, a casa de um parente chamado Francisco Rodrigues Pereira Lopes, o Porron,(8) de alcunha, natural de Mogadouro, e sua mulher, Ana Lopes, de Chacim. Aliás, visitavam-se mútua e frequentemente, como disse Manuel Lopes: — O motivo que teve ele confessante de o conhecer e tratar ao dito Francisco Lopes e a sua mulher e filhos, foi por ter vindo para a sua casa desde a cidade do Porto, o dito Francisco Lopes, seu primo, de quem tem declarado em audiências antecedentes, e ter ido a vê-lo em companhia do dito João Ventura, seu irmão e repetiram juntos algumas vezes as visitas e outras ia ele sozinho. E mediante este trato e familiaridade viu em repetidas ocasiões que se juntavam e visitavam numa casa e em outra, a dita Ana Lopes e Beatriz Pereira, mulher de seu irmão João Ventura.(9) A vida do Porron em Lisboa não seria fácil a crer no testemunho de Manuel Lopes, que “não viu que Francisco Lopes tivesse ofício algum e vivia de esmolas que lhe davam e de lavrar chocolate e vendê-lo”. Também ele e a mulher, a filha e 2 filhos que tinha, embarcaram para Livorno, “na ocasião que a dita Isabel Cardosa embarcou no mesmo navio; e para se sustentar na viagem juntou dos ditos judeus, que lhe davam esmola, quantidade de dinheiro para que se proviesse nesse ano na embarcação”. Ana Lopes era natural de Chacim e tinha uma irmã chamada Beatriz Lopes, casada com Manuel de Sá, em Rebordelo, junto a Lebução. E estes foram outros dos membros da “nação” que rumaram a Lisboa, com intento de fugir para Livorno. Manuel Sá era um dos 3 passageiros que levavam mercadoria consignada a Gabriel Medina – 22 rolos de tabaco e 4 caixas de açúcar branco. Não vamos aqui falar dos outros fugitivos (eram 48 no total) nem da tripulação do barco. Diremos tão só que o navio estava registado no porto de Génova e zarpou de Lisboa em 13.4.1699. Três dias depois, aportaram a Cádis e todos os fugitivos foram presos pela inquisição de Castela. Mas estas são contas de outro rosário.