Seg, 25/05/2020 - 23:32
Aparentemente nas sociedades em que vivemos haverá condições propícias ao reconhecimento crescente do valor do saber para o desenvolvimento de modelos de inter-relação capazes de nos elevar a patamares nunca atingidos nas condições materiais, na equidade, na ética e na estética, com reflexos na moral, na política, na justiça, na economia, enfim, na vida real.
Trata-se de esperançada convicção, pretensamente mais sólida do que as grandes utopias, que mobilizou esforços ao longo de gerações na construção de sistemas educativos, modelos democráticos do exercício do poder, preservação das memórias do bem e do mal de que a humanidade já foi capaz, para que o futuro possa trazer horizontes mais límpidos na caminhada que fazemos desde há dois milhões de anos.
No entanto, não é avisado esquecer que a condição humana também é uma realidade biológica, que não depende só das nossas reflexões filosóficas, da ciência, da tecnologia que desenvolvemos, nem sequer da nossa vontade.
Sabemos que até há bem pouco tempo a barbárie, com todo o cortejo de brutalidades, dominava as existências, mesmo quando podemos detectar raras excepções, muitas vezes engolidas na voragem impiedosa da animalidade pura e dura.
Encontrámos forma de enquadrar tais fenómenos, atribuído-os à ignorância, que queremos acreditar pode ser erradicada mais cedo ou mais tarde. Mas continuamos a considerar que esse é um dos graves problemas com que nos confrontamos a cada dia. Ainda por cima também se observa que a ignorância está geralmente associada à inconsciência, ao instinto e, como diz o aforismo, à ousadia, que nada tem a ver com coragem, antes é a expressão da definitiva boçalidade.
O recente desfile penoso de algumas personalidades da política mundial, a exibir capacidade de rosnar de forma ameaçadora, num espalhafato degradante, pode parecer anacrónico a mentes bem intencionadas, que esperariam das primeiras décadas do século XXI a consumação das promessas de uma era de concórdia, justiça, paz e sabedoria.
É possível que se sintam calafrios quando se ouvem os impropérios do figuraço que diz mandar no Brasil, enquanto anuncia que será como ele quiser, independentemente do funcionamento dos órgãos constitucionais legítimos, ou a arenga torpe do figurão que assumiu o lugar na Casa Branca e não consegue discernir os equilíbrios necessários para gerir uma federação de estados, que não se confunde com o papel de merceeiro rico que lhe coube em sorte, numa peça de teatro pífio, com basbaques a aplaudir.
Vistas as coisas com a necessária atenção, havemos de concluir que não é nessas figuras ridículas que se descobre a razão dessoutra tragédia, tão ou mais grave que a pandemia que nos mói a paciência: as ameaças inauditas à vida política democrática como já não se conheciam, há décadas, no mundo dito civilizado.
Problema mais grave está nas vontades que lhes permitiram chegar ao poder, em condições formalmente democráticas. Essas vontades foram de milhões de indivíduos, tão ignorantes como eles, que lhes reiteram apoios para o futuro, quando esperam ver saciado o seu egoísmo voraz, como fazem os predadores na selva desde há muitos milhões de anos.
Teófilo Vaz