Acabo de ler o artigo do Dr. Fernando Calado acerca do drama que envolve «os livros e os escritores transmontanos». Eu só acrescentaria que este mesmo flagelo se passa com as obras de autores periféricos, pretendendo envolver não só os Transmontanos mas todos aqueles que na ruralidade, longe da urbe, das praias e das unidades transformadoras que possibilitam vivências que a desertificação não consegue iludir.
O conceito dos modernos editores nasceu como que por geração espontânea. Quase poderíamos aqui aplicar a lei do Evolucionista Lamarck, quando teorizou que a «necessidade cria o órgão».
Tudo aconteceu na geração dos que estamos a chegar ao limite da nossa paciência criativa. Quando poderíamos ter acesso às históricas tipografias que substituíam, com vantagem, os atuais editores que nascem hoje com a maior facilidade do mundo, ainda nós, frequentávamos os cursos da noite e as universidades em horários pré-laborais. Nunca pudemos competir, em espaço e em tempo. Porque, ao contrário dos «copinhos de leite», que tinham as escolas e as universidades à porta, tínhamos que ser pastores e tarefeiros que não nos permitiam ser crianças, nem ter parques infantis.
Os que chegámos a tempo foi por exigência militar. A guerra do Ultramar não permitiu fugas, nem truques de «tiro e queda» que a emigração coletivizou: ou fuga ou mobilização.
Somos filhos desse tempo que abastardou gerações traídas, ainda hoje mal amadas, porque não tivemos tempo, nem forma de recuperação, em relação a muitos com os quais nos cruzamos, nos corredores da turbamulta.
Ser autor de obras criativas, nomeadamente de livros que tinham de concorrer, em qualidade gráfica e em preços de venda ao público, era impraticável, para quem vivesse no interior do país.
Havia concelhos onde não existia qualquer tipografia, quanto mais uma gráfica que desse forma e qualidade a uma, ainda que incipiente, página publicitária.
Com o advento da informática e das máquinas que com ela tanto avançaram, em tão pouco tempo, alguns criativos deixaram-se seduzir pelo gosto prático da impressão que a variedade e facilidade expandiram, quase instantaneamente. A necessidade de criar formas de rentabilizar o tempo e a proliferação de impressoras, de digitalizadoras e afins, fizeram com que se popularizasse a edição de trabalhos académicos e, por simpatia, alguns desses formandos que espreitaram nessas tarefas gráficas, ocupações que serviram, a muitos, de primeiro emprego.
Como não há fome que não traga fartura, as artes gráficas tornaram-se atrativas. As históricas tipografias que tão bons serviços prestaram ao longo de séculos, acabaram por fechar portas, deixando no desemprego, quer proprietários, quer ajudantes que, a muito custo, foram sobrevivendo.
Gráficas propriamente ditas foram instaladas nos grandes meios industriais, longe umas das outras, porque os valores investidos eram inacessíveis a muitos investidores. Esses parques para serem rentáveis, exigem trabalho permanente. Daí que uma unidade dessas, equipada com todo o tipo de máquinas que o setor implica, satisfaça muitos milhares de clientes.
Este processo evolutivo gerou uma situação que ditou o fim das profissões tipográficas, na transição para o offset e para o digital.
Nos fins do século vinte criaram-se, para acorrer à confusão, alguns conceitos no que toca à edição. Onde o tipógrafo resolvia com os autores locais, a edição tradicional, era menos perfeita, mais lenta e com menos exigências legais. Com o advento das novas tecnologias e a profusão de equipamentos informáticos, emergiram os tais editores que imitavam modos de operar, nem sempre transparentes.
Além do tipógrafo, passou a haver o editor, o gráfico e o distribuidor. O editor passou a ser uma espécie de solicitador entre o autor e o gráfico. Mas o livro para chegar ao mercado precisa ainda (de um distribuidor). Só que o distribuidor, quer a parte de leão. E, quase sempre, o processo corre mal porque: ou o livro não chega, em quantidade e a tempo e horas, às livrarias; ou chega lá, tarde e mal e nunca mais de lá sai. O livro não chega a conhecer-se, ou por falta de leitores, por falta de informação ou porque o distribuidor apenas visita as livrarias urbanas e, por falta de estímulo, não controla as periféricas, porque a percentagem não cobre as despesas. Muitos dos livros, tarde ou nunca saem de onde entraram. A falência fecha os armazéns. Os distribuidores desertam. E os autores acabam por perder o rasto a esses livros, ao dinheiro e ao processo.