KARL MARX (Dos duzentos anos do seu nascimento às suas previsões auto-irrealizáveis)

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Karl Marx, figura incontornável do século XIX e que marcou igualmente, de forma notável a quase totalidade do século XX nasceu há duzentos anos. Este ano é pródigo em aniversários “redondos” associados à obra do filósofo revolucionário nomedamente os cento e setenta da Revolução Francesa de Fevereiro que abriria espaço para a instituição, anos mais tarde, da Comuna de Paris, reconhecido como o primeiro Governo Comunistas, apesar de muito efémero e inconsequente. Completam-se igualmente cento e trinta anos sobre a publicação, em Londres, do Manifesto Comunista, este sim, obra marcante e relevante do movimento político cuja teoria e ideologia foi desenvolvida, sistematizada e divulgada por si, juntamente com o seu discípulo Engels!

O documento sistematiza a teoria e pensamento socialista de então e introduz várias recomendações e princípios de ação do proletariado enquanto força política emergente. Quanto à análise histórica da realidade vivida à época e das causas da mesma, não há como não reconhecer o acerto, a honestidade e o rigor científico do seu autor, concorde-se ou não com as soluções propostas. Contudo no que toca às previsões para o futuro imediato... são várias as “falhas” e desajustes. Compreende-se muito bem porquê. Enquanto que o tempo decorrido até ao momento em análise, era, naturalmente, imutável, o tempo que ali se inciava seria não só a consequência do que vinha de trás, mas também e, essencialmente, aquilo que os diferentes agentes dele fariam. Ora, de certa forma, os marxistas de prognóstico resultaram precisamente do acerto da análise.

Em psicologia denominam-se de “profecias auto-realizáveis” as proclamações que, pelo facto de serem publicitadas contribuem, de forma determinante para a sua realização. Este caso poderíamos chamar às previsões da dupla Marx-Engels de “profecias auto-irrealizáveis” já que a sua enunciação foi talvez a mais determinadora para que não se concretizassem. As notáveis conclusões económicas a que o revolucionário chegou apontavam para o “óbvio” recrudescimento do conflito de classe cada vez mais violento com a vitória dos proletários e  o colapso do sistemas burguês/capitalista. A Revolução Comunista seria, segundo Marx, uma consequência da Revolução Industrial e, como tal, irromperia em França, Inglaterra e Estados Unidos para a partir daí dominar todo o mundo. Ao anunciá-lo Marx criou as condições para que assim não fosse porque os seus escritos foram lidos, não só pelos seus seguidores, mas também pelos capitalistas que perante a “ameaça” iminente alteraram o seu comportamento e adaptaram-se impedindo assim a marcha imparável do proletariado unido de todo o mundo. A Marx deve ser creditada esta “outra revolução” que o seu pensamento fomentou e não só as experiências diretas dos seus seguidores que, também, não aconteceram exatamente como prescrito. A construção de um muro divisório no coração da sua Alemanha natal não estava, seguramente, na carta de ação marxista se bem que esta ideia de erguer barreiras entre povos não é, como recentemente se provou, exclusivo de dirigentes de esquerda.

A utilidade inegável da doutrina marxista advém, precisamente, das alterações que despoletou se bem que foram exatamente essas alterações que lhe roubaram força, urgência e relevância.

Há, contudo e incompreensivelmente, um propósito, o último dos dez preconizados no manifesto que, apesar do tempo passado desde a sua enunciação, continua a necessitar urgentemente da sua concretização, nomeadamente, a reivindacação da educação gratuita para todas as crianças e a eliminação total do trabalho infantil.

 

José Mário Leite