Agosto festivo

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Estamos no pináculo do Verão, estamos no epicentro das celebrações festivas, estamos num tempo de plena cantata das cigarras incluindo as humanas, porque se a maioria ganha o pão derramando o suor do seu rosto, há que temperar o sacrifício polvilhando-o de intervalos de folgança concedendo plena expressão à velha sentenças “mais vale um gosto na vida, do que cem mil réis na algibeira”

AS festas e romarias deram azo a milhentas manifestações em larga medida jocosas, como a daquela mulher convenientemente lavada e aperaltada de forma inusual ao ser inquirida acerca da causa de tão especioso ataviamento retrucou impante: “vou à festa com o meu homem”, à noite, no regresso, esbaforida, e o marido cambaleante, respondeu a quem lhe perguntou de onde vinha, azeda vociferou:” venho da festa e esse que vem atrás”.

Para lá desta e de outras facécias as festas eram a frescura das cores infantis e juvenis mais de génese feminina, este amor ao adorno e do ornamento, essa paleta cromática que durante um dia anima as aldeias numa sinfonia de sons gritados de admiração, de afecto, de inveja, de comiseração, de genuína amizade, de exclamação nas comparações entre o aquele ano e o passado presente e quantas vezes repletas de leviandade fugaz de diabrura no vai vem das recordações. É a festa!?

Escrevo é festa. Manda a realidade escrever: agora são os festivais, a ânima festiva resvalou em festivais, a passagem fez-se nos últimos anos a arremedar ritos de passagem vindos de fora, da longe, de língua inglesa, impondo-se nas noites ruidosas ao linguajar portunhol e francófono dos visitantes e emigrantes a passarem as vacanças no terrunho natal, onde tudo parece igual mas não é, subtilmente ali, riscante acolá, na rarefação das gentes nos olhares dos regressados de vez por efeito das reformas, nas alteridades das casas e equipamentos, nos utilitários transportes de matrículas de idade venerável.

Os festivais derramam luz e gritos musicais sobre os campos adjacentes à arena (agora está na moda o termo indicador de outras pugnas) ou terreiro de onde antes da bailação solta na maioria dos casos, as raparigas e rapazes quais possuídos pela doença de S. Vito pulam e voltam a pular soltando de forma audível corruptelas guturais num esfalfamento incompreensível aos ouvidos dos saudosos dos gaiteiros (agora escassos e revivalistas) e das bandas de música e/ou filarmónicas a fenecerem lentamente, ainda chamadas a abrilhantarem cadenciadamente as procissões.

O estiramento da festa em festival obriga aquele que é capaz de ler em voz alta e de compreender plenamente, a não derramar lágrimas sobre o leite derramado do fluir temporal, antes pelo contrário, compete tornar inteiramente sensível aos cinco sentidos o fragor das referidas alteridades, os não dotados de tais atributos tanto se lhe dá, o seu figurino adapta-se à moda em uso, podendo, quanto muito soltar remoques ocasionais no estilo: Maria vai-com-as-outras.

As transfigurações sociais (veja-se a legalização das barrigas de aluguer) obrigatoriamente, tinham de produzir outros olhares e mimetismos na «construção» dos travejamentos capitais do ócio gerando uma indústria de grande valor económico cujo derramamento sobre o enaltecimento dos valores religiosos e sociais nas aldeias e vilas do Nordestino é residual numa odiosa comparação com os gizados e levados a cabo no litoral em geral, e no Porto e Lisboa em particular. No entanto, desses travejamentos brotam fluídos genéticos dos Festivais a concederem vigor aos argumentos de Debord, no seu livro a Sociedade do Espectáculo. Mesmo nos aglomerados populacionais de menor densidade populacional a idosa senhora não desdenha as «modernices», pois velhos são os trapos, o atavismo ao tradicional restringe-se ao sagrado, e aos comeres de antanho de maneira esparsa. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades!

As considerações acima vertidas (de um cuidadoso verter de dúvidas e perplexidades) são-no em face de não poder recuperar o tempo perdido (obrigado Sr. Proust) na má gestão desse mesmo tempo e tentar intuir o futuro numa perspectiva de sermos capazes de preservarmos as raízes da nossa herança cultural centrada no conceito de FESTA pura e dura tão representativa dessa mesma herança de culturas cuja identidade se perde nas brunas da memória.

Os festivais perderam o verniz elitista de chispa da alta cultura, até snob, popularizaram-se, mesmo as coreografias para não falar das programações desceram no patamar das diversas matricialidade, relembro o bailado da companhia Verde Gaio em Bragança, relativamente aos Festivais, alguns deles de corrimão ou vão de escada.

À festa o que é da Festa, o telúrico, ao festival o que é do Festival, o feérico.

Armando Fernandes