Foram três longos anos a pensar Bragança, as suas gentes, os seus costumes, a sua história, passeando nostalgicamente por uma Bragança antiga, com ruas e becos que já não existem, ou se modernizaram.
Em maio de 2015 saiu o meu primeiro romance intitulado: “O Milagre de Bragança” é uma história de judeus antigos, cristãos novos que contribuíram para o desenvolvimento de Bragança e para o milagre da sede que trouxe riqueza e fama a uma pequena cidade perdida entre montes e o devir da História. É um romance em que se revisitam os hábitos, costumes, crenças e preconceitos duma cidade antiquíssima, o colégio dos jesuítas e as memórias do velho Liceu Nacional de Bragança, com a sua academia e as suas imortais comemorações do 1º de dezembro. “Coimbra em miniatura”.
Em maio de 2016 saiu o contraponto a este primeiro romance: “Quando as mães saíram à rua” que desvela um outro lado de Bragança, mais sombrio, onde se evidencia a longa noite bragançana e se revisita o tão falado caso das “Mães de Bragança”, ou melhor dizendo, o caso de algumas, poucas, esposas de Bragança a quem a revista Time deu voz excessiva e universal.
E finalmente em maio de 2017 e por sugestão do presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias saiu o romance: “Pão Centeio”. O autarca bragançano sugeriu que depois de dois livros onde a narrativa perpassa pela cidade de Bragança, seria interessante um último romance, fechando a trilogia, sobre a problemática do meio rural do nordeste. E assim foi. O título “Pão Centeio” é justificado por uma personagem do livro: “Ao escritor do futuro exorto que o livro se intitule “Pão centeio”, em memória do pão, cozido no forno de lenha e que matou a fome a tanta gente que procurou a taberna no fim da caminhada. Em memória do pão centeio que ajudou a criar tantos transmontanos, tão valentes, sábios, santos e honrados.”
A narrativa deste romance assenta em três personagens principais. Um pedinte que percorreu todas as aldeias de Bragança, conhecedor do mundo e da vida. Carregava consigo uma estranha loucura e uma lucidez quase profética que assustava, visionando a desumanização e a desertificação das aldeias transmontanas, para logo acrescentar: “O Nordeste tem futuro, por favor não desistam. Não deixem morrer as aldeias tão bonitas da nossa terra. Lembrem-se sempre da Fénix que renasce das cinzas”. Este pedinte misterioso tinha fama de ter sido capitão-de-fragata que enlouqueceu depois dum trágico naufrágio em alto mar, com centenas de mortos. Fez-se ao mundo como pedinte nómada.
Uma outra personagem é um sargento aposentado que regressou à aldeia depois de ter feito a guerra da Índia, de Angola, de Moçambique e da Guiné. Convive com o capitão, entre memórias, mortos de guerra e o princípio da desertificação do nordeste. Dois homens estranhos que carregavam consigo medos antiquíssimos de guerras infindas. Os militares morriam na guerra. E a emigração despovoava as aldeias. Aconteceu o 25 de abril, vieram os “retornados”. O país mudou mas a desertificação das aldeias transmontanas continua e o Poder Central “a assobiar para o lado” como se este drama da morte anunciada do meio rural não existisse. Mas o capitão, todos os dias, ao alvorecer, manda ao sargento formar a 1ª Companhia dos sonhos para que o sonho ainda seja possível.
A terceira personagem é um engenheiro civil que regressa de Angola depois da independência. Filho do taberneiro da aldeia e que se cruza com o capitão e o sargento e vai recolhendo para memória futura o devir da aldeia ao longo do ano: “Capitão, agora não pode ir, tem que me contar todas as memórias da taberna, o que se comia, quem chegava, o que as pessoas faziam à roda do ano! Tem que me contar tudo, Capitão! Já comecei a escrever o nosso livro.”
E assim se fecha um longo trabalho de três anos. A humílima trilogia de Bragança que eu fui capaz de escrever, aqui fica para que os vindouros não se esqueçam. Foram muitos dias, muitas noites pensando Bragança e as suas gentes. Mas valeu a pena. O Nordeste vale a pena.
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Cumpriu-se a trilogia de Bragança
Fernando Calado