Que as artes e as letras florescem em tempos de paz, já há muito se diz. Como estas duas áreas se associam à educação, é óbvio que, por arrastamento, também esta se desenvolve quando estão reunidas as condições de estabilidade social e forças opostas se confrontam tão-somente no plano ideológico e através de meras palavras inerentes à construção e ao fortalecimento da própria democracia.
Num tempo de paz duradoura, esperar-se-ia assistir ao apogeu das manifestações artísticas e que a educação formal tivesse progredido para patamares que colocasse os portugueses ao nível dos melhores da Europa. Aqui, é a própria educação que parece o campo onde se faz a guerra. Se as lutas estudantis dos anos 60 foram determinantes na construção de um pensamento e na mobilização para o que iria acontecer em 74, na verdade, é que quem deteve o poder a seguir, não conseguindo distanciar-se desse pensamento, continuou a fazer da educação em sentido lato, a bandeira de uma luta legítima, porque necessária, para arejar ideias, alargar conhecimentos e iniciar uma senda de verdadeira liberdade intelectual.
O problema terá surgido uma década depois, quando questões anteriores continuaram mal resolvidas e se quis repensar a educação formal e a função da escola, num momento em que a democratização do ensino dava efetivamente os primeiros passos e a definição dos currículos era um campo onde se confrontavam ideologias e se pretendia marcar território. A sociologia da educação ensina que não há currículos neutros. No entanto, tal princípio jamais legitimará qualquer força partidária a agir neste domínio como têm atuado desde a revolução de abril. Ao estaticismo sucedeu a avalanche de reformas, esquecendo os decisores a lei fundamental do Estado Português que, nos seus artigos 43º, 74º e 77º, salvaguarda a neutralidade do currículo e o direito universal à educação, incidindo no direito que professores e alunos têm em participar na gestão democrática das escolas. A lei orgânica foi-se alterando até que culminou na restauração da figura do diretor com poderes reduzidos face à anterior. Recentemente, um cidadão que fez carreira no ensino, recordava que, incumbido de abrir uma escola, a ele era assacada a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir as leis e as regras disciplinares. Quando algum aluno as infringia, era levado ao seu gabinete e a receita era chamar os pais e perguntar se preferiam uns dias de suspensão para o filho – que ficava em casa - ou uns tabefes aplicados no momento. Segundo ele, todos optavam pela segunda hipótese. Não se falava em indisciplina, nem em bullying e a classe docente não era aquela que apresentava mais índices de depressão.
Hoje, apregoa-se o sucesso e todos são orientados para trabalhar em prol do mesmo sem sequer se definir o que é o sucesso escolar. Pior do que isso, é que não se permite, sequer, que cada unidade orgânica defina o seu padrão de sucesso, embora se lhe exijam políticas diferenciadas, quer na sala de aula, quer na organização. O culminar de tudo isto, é ainda a implementação de novos programas sem ter ainda havido tempo de avaliar os antigos, como é o panorama atual que irá colocar na mesma sala, lado a lado, alunos a realizar a mesma prova, salvo o erro a matemática (ensino secundário), tendo uns estudado pelo antigo e outros pelo novo. E como se resolve? -irão avaliar-se apenas os conteúdos comuns.
A suposta “revolução” ainda não acabou, o novo modelo da municipalização já mexe nas comunidades intermunicipais e lentamente vai fazendo caminho, pelo que em breve as escolas serão ainda mais coloridas na justa medida da paleta que governa o território. Lamenta-se que ainda não tenham percebido que a verdadeira mudança para o sucesso implica uma alteração na percepção do indivíduo no seu papel de aluno. Na verdade, a educação de hoje integra e desenvolve ou reproduz e silencia?