Sex, 18/03/2005 - 12:34
Jornal Nordeste (JN) – Com que idade abandonou o seu torrão natal?
Manuel Barroco (MB) – Na minha aldeia diziam que eu nasci no ano do ciclone, que foi 1940. Nasci numa pequena aldeia que pertence a Castelo Branco, pois nem freguesia é. Fiz lá a instrução primária, mas foram tempos complicados, porque não havia escola. A que existe foi construída pelo povo, sem qualquer ajuda do Estado, e nem sequer era escola oficial. Era, apenas, um posto onde uma regente escolar ensinava e onde eu fiz a 3ª classe. A 4ª classe já a fui fazer a Mogadouro e, a partir daí, saí da aldeia, onde só regressava nas férias. Prossegui os estudos em Valença do Minho, e Braga, onde fiz o 3º, 4º e 5º ano do antigo Liceu. Por influência de familiares regressei a Trás-os-Montes e estive um ano em Macedo de Cavaleiros. Foi uma má experiência, porque depois dos anos numa cidade espectacular como Braga foi difícil adaptar-me a Macedo. Em 1956 Macedo era vila, mas não passava de uma aldeia. Era pior que Mogadouro, que me perdoem os macedenses. Dei-me muito mal. Foi o único chumbo da minha vida. Daí fui para o Porto, onde concluí o Liceu. Depois ofereci-me como voluntário para a Força Aérea e ainda estive no Ultramar. Só mais tarde ingressei na Escola de Belas Artes, em Lisboa.
JN – Na altura havia muitos transmontanos na Escola de Belas Artes?
MB – Antes do 25 de Abril não. Era uma escola extremamente elitista, onde só acedia ao grau de licenciatura quem tivesse uma média superior a 15. Quem fosse duma família ligada às Artes Plásticas ou à arquitectura tinha mais hipóteses, mas agora um transmontano sem qualquer pergaminho no mundo do artes...Mas como eu sou teimoso, continuei, insisti e consegui terminar com mérito.
Acho que no ano em acabei a licenciatura não havia mais nenhum transmontano. Na Escola de Belas Artes do Porto sim, já havia. O País é pequeno, mas há um certo divórcio entre as pessoas das Belas Artes que estudaram no Porto e as que estudaram em Lisboa.
JN – Como era a vida numa aldeia tão pequena como as Quintas das Quebradas?
MB - Recordo-me que as pessoas da minha aldeia estavam sempre prontas a ajudarem-se mutuamente e que se esqueciam os conflitos quando era preciso socorrer alguém. Lembro-me, também, da ausência de tudo. Quando passei para a 3ª classe era para ter aulas em Castelo Branco, que só dista 5 quilómetros. Só que o caminho era um caminho de cabras e o meu pai comprou um burro para eu ir para Castelo Branco com o meu irmão. Só que nos primeiros 300 metros o burro não quis andar mais e acabamos por fazer os estudos na Quinta das Quebradas.
JN – Quando é que sentiu que queria seguir Belas Artes?
MB – Sempre senti isso. Quando uma pessoa vê outra fazer uma coisa e acha que pode fazer aquilo, ou até melhor, é sinal que tem vocação para isso. Eu na minha aldeia via os canteiros a picar a pedra, passava horas a olhar para eles e pensava: “isto também eu faço”. Ainda andava na 3ª classe quando fiz desenhos para a frontaria de casas da minha aldeia, que eles executaram!
JN – Nos anos passados em Lisboa nunca sentiu o chamamento dos montes, da natureza e das gentes transmontanas?
MB – Não só o senti, como os sinto. É por isso que estou cá há quase quatro anos e só vou a Lisboa de três em três meses para dar andamento a alguns trabalhos de escultura de modelação e pintura que estou a desenvolver lá no atelier. Mesmo antes, à excepção do Ultramar, nunca estive fora mais de três meses. Faz-me falta vir aqui. Os cheiros, as cores e, até o frio, fazem-me sentir bem. Gosto de chegar a uma aldeia e sentir o cheiro às giestas a arder, ao caldo verde e à cozedura dos butelos ou buchos, coisa que se está a perder, infelizmente, porque as aldeias estão cada vez mais desertas.
JN – Acha que os escultores transmontanos têm sido bem tratados na sua região de origem?
MB – Só posso falar por mim. Eu, por exemplo, nunca meti o pé em Bragança, apesar de ter o atelier no coração de Trás-os-Montes. Nunca tive conhecimento de um concurso para um trabalho para o espaço público e leio muitos jornais, inclusive a imprensa regional. Ou é miopia da minha parte ou nunca vi um concurso.
Há escultores que não são daqui, que fazem trabalhos por convite, porque nem concursos há. Pedem o que querem, abrem a boca e executam o trabalho. Para outros andam é tudo à míngua, infelizmente.
JN – Mas agora está a executar um trabalho para a Câmara de Mogadouro. É um monumento micológico, não é?
MB – É um monumento com granito da região, que foi trabalhado no próprio local. Não é uma escultura feita com peças que saem duma fundição para serem colocadas no sítio certo.
Fica numa rotunda à entrada de Mogadouro e é um trabalho que muito me orgulha, porque é a minha terra. Já lá tenho o monumento ao Bombeiro, que gerou alguma polémica, porque as pessoas estavam à espera de um bombeiro de mangueira na mão. Não fiz cedências e acho que as pessoas acabaram por compreender a mensagem que o monumento transmite.
Entrevista de Marcolino Cepeda,
Rui Mouta e Mara Cepeda