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Proteja o seu coração

A Alimentação Mediterrânica é saudável, variada e equilibrada. Caracteriza-se pelo equilíbrio entre qualidade e quantidade: consumo de uma grande variedade de alimentos de elevado valor nutricional, combinados de forma harmoniosa, ajustados em quantidade às necessidades individuais e bem distribuídos ao longo do dia e da semana.

A dieta mediterrânica é rica em nutrientes que protegem a sua saúde, nomeadamente o coração.

Pela sua saúde prefira uma alimentação saudável:

Os “escritórios” da terra

Ter, 23/05/2017 - 11:08


Olá familiazinha! Já estamos no meio da segunda quinzena do mês de Maio, já só falta cerca de um mês para o grande piquenição. Temos o programa de rádio que festeja a vida. Diariamente o meu João André (ministro dos parabéns) festeja o aniversário da nossa família pois canta e toca os parabéns. Na semana passada e pela primeira vez assinalou os anos à mãe e filha que nasceram no mesmo dia. Se isso não bastasse, a filha, Sofia Gabriel, fez 25 anos e a sua mãe Ana Marques 25 ao contrário, ou seja 52 anos, são filha e neta da nossa tia Geninha, da Paradinha Nova, Bragança.
Sou oriundo da cidade mas casei na aldeia, lido com pessoas rurais diariamente e fui ver “como estava a papelada nos escritórios rurais tirei umas fotografias e conversei com a nossa tia Sarinha de Caravela. Aquilo que eu consegui aprender numa hora!

 

Crónicas do Oriente

Decorreu, de 15 a 17 de Maio, na cidade de Díli, o III Congresso Nacional de Educação de Timor-Leste. Extremamente animado e com um elevado nível de qualidade na maioria das intervenções, este terceiro congresso foi unânime em afirmar a importância da Língua Portuguesa no desenvolvimento de Timor-Leste. Nas conclusões finais foi salientado e reafirmado o bilinguismo como imperativo constitucional e como vontade da sociedade timorense. O Português e o Tétun devem merecer por parte das autoridades timorenses o mesmo tratamento e devem ser considerara em pé de igualdade. Ao Tétun é reservado o papel de língua de comunicação e ao Português o papel de língua de comunicação e de língua de ensino.
Nas recomendações ao Governo, e entre muitas outras, era recomendado que se investisse na formação de professores e na exigência do domínio da Língua Portuguesa no acesso à carreira, aos futuros profissionais propondo a criação de um ano zero no final do secundário para quem quisesse entrar na universidade, dedicado essencialmente à aprendizagem e co/ ou consolidação dos conhecimentos em Língua Portuguesa e, como instrumento de extrema importância para a formação destes, a criação de uma escola superior de educação. Estiveram presentes neste evento, como não podia deixar de ser, o ministro e os dois vice-ministros da educação. O Primeiro Ministro abriu e encerrou o congresso. Contudo nem tudo são rosas neste jardim. Também existem algumas espécies daninhas. E se o ministro da educação e o vice-ministro para o ensino superior são clara e assumidamente defensores do Português e do desenvolvimento, estreitamento e aprofundamento das relações com Portugal em matéria de educação, já a vice-ministra para o ensino básico e secundário não afina pelo mesmo diapasão. No entanto a senhora vice-ministra sentiu-se completamente deslocada naquele ambiente tendo desaparecido do local ao final da manhã do primeiro dia não mais tenha voltado.
É sabido que existe entre o IPB e o Governo de Timor-Leste um protocolo de cooperação ao abrigo do qual o IPB irá ajudar a instalar em Timor-Leste um Instituto Politécnico que, curiosamente também se chama IPB – Instituto Politécnico de Betano, iniciando este a sua actividade com dois cursos – um na área da agricultura e outro na área da engenharia civil. Ora, penso eu, seria de aproveitar a embalagem e incluir no pacote a criação de uma ESSE – Escola Superior de Educação. Numa breve conversa que mantive com o senhor vice-ministro da educação sugeri-lhe essa possibilidade tendo ele mostrado grande receptividade e que se iria deslocar a Portugal no início da próxima semana, estando previsto deslocar-se a Bragança, onde irá permanecer entre o dia 24 e 27 de Maio. Seria bom que o IPB não deixasse passar em claro esta oportunidade reforçando, desta forma, a sua presença nos países da Lusofonia tornando-se numa instituição de ensino superior de referência da CPLP, confirmando, assim, o seu pendor internacionalista.
Este III Congresso teve ainda, no que toca à consolidação da aprendizagem da Língua Portuguesa em Timor-Leste, uma outra recomendação ao Governo, que reputo de extrema importância – a do alargamento dos CAFEs aos subdistritos e concedendo-lhe uma importância acrescida na formação de professores, na sua componente prática. Os CAFÉ são os Centros de Apoio e Formação Escolar, projecto herdeiro do antigo projecto de Escolas de Referência. Contudo este alargar de âmbito de acção e aumento de competências dos CAFE depende também da vontade do Governo Português que é quem fornece os professores e diga-se, em abono da verdade, que o comportamento do Ministério da Educação de Portugal nesta matéria não tem sido, de modo nenhum, exemplar. A título de exemplo apenas aporto aqui esta situação: Feito o diagnóstico das necessidades de professores, atempadamente, para o presente ano lectivo e necessitando o projecto de 150 professores, desde a Pré-Escola até ao oitavo ano do ensino básico, o ME disponibilizou apenas pouco mais de 130. Este facto cria imensas dificuldades no bom funcionamento das escolas e na qualidade de ensino ministrado pois, desta forma, teve que se recorrer a um mais elevado número de professores timorenses ainda não devidamente preparados e à sobrecarga dos restantes professores portugueses em termos de aulas, sendo que há professores do 3.º ciclo a ir dar aulas ao 2.º ciclo e vice-versa. Mas deste particular poderei falar um outro dia, se se entender que é importante.
Aliás, nesta, como em outras situações, aqui como em muitos outros lugares deste sudeste asiático, cujos mares as nossas naus sulcaram e a nossa língua se escutava e falava tanto na mais importante cidade como na mais remota ilha, onde a nossa presença foi mais forte que a de qualquer outra nação ocidental, as marcas da nossa presença são cada vez mais ténues, Portugal está a fazer muito menos do que deve e menos do que pode, para manter viva a chama da universalidade lusitana.

Por Leonel Vaz

OS. Neste congresso participaram também elementos de uma equipa do Banco Mundial para avaliação do sistema educativo timorense, composta por, entre outros, um Português docente da Universidade de Évora e uma professora Cabo-verdiana. Esta cabo-verdiana, a Dr.ª Benedita, falou da experiência Cabo-verdiana no ensino e consolidação da Língua Portuguesa em Cabo Verde, tendo feito uma defesa da Língua Portuguesa que um português não teria feito melhor.

NÓS: TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Ana Fernandes (T. Moncorvo 1545 - 1602)

Na história de Torre de Moncorvo, o dia 15 de Setembro de 1602 deverá ser marcado de forma indelével por ser o dia em que a inquisição fez queimar a primeira de suas munícipes, acusada de judaísmo.
Chamava-se Ana Fernandes, filha de Francisco Fernandes e Beatriz Fernandes, nascida por 1545. Era casada com António Rodrigues Trindade. Pariu 16 filhos, 7 dos quais morreram crianças. Dos 9 que eram vivos à data de sua prisão, fixemos o nome dos mais velhos: Diogo Rodrigues, 30 anos, solteiro; Brás Rodrigues, 20 anos, solteiro; Manuel Rodrigues, 17 anos, solteiro; Maria Rodrigues, 25 anos, casada com Gaspar Nunes Varejão.
António Trindade era recebedor das sisas, que o mesmo é dizer homem abonado de dinheiro. E era lavrador e proprietário de um lagar de azeite, unidade industrial muito rentável naqueles tempos, e ainda hoje. Trazia também arrendada a Quinta da Tarrincha, propriedade de Miguel Ferreira, homem da mais elevada nobreza da terra.
Por 3 ou 4 meses, na época das ceifas e da colheita dos frutos, António Trindade e Ana Fernandes estabeleciam morada na Tarrincha. Ali trabalhavam e moravam alguns operários. E trabalhavam eventualmente homens e mulheres da aldeia dos Estevais, sita no alto da fragada onde a quinta se encaixa.
Naqueles tempos tomar banho era coisa que não estava nos hábitos daquela gente. E causava espanto ver a “patroa”, nas sextas-feiras à tarde depois de um dia de trabalho e calor intenso, meter-se em casa e “lavar-se toda com água e ervas cheirosas”. A limpeza do corpo cheirava a pecado para muito boa gente. 
Os rumores cresceram quando alguém reparou que Ana saía da casa do banho vestindo camisas e toucas lavadas que continuava usando no sábado, dia em que ninguém a via trabalhar e nem mandava que as criadas trabalhassem. De contrário, trabalhava e mandava trabalhar aos domingos. Pelo menos em alguns porque, em outros, até ia ouvir missa na vizinha aldeia de Horta da Vilariça. Mas também isso causava escândalo em alguma gente que a via entrar na igreja com um chapéu na cabeça, que mantinha mesmo ao levantar do Santíssimo Sacramento. Tudo eram coisas de judia! – Dizia-se.
Parte da quinta desenvolve-se pela encosta, íngreme e fragosa, onde apenas medram os zimbros e as piorneiras. Na paisagem sobressaem penedos ciclópicos respeitados como altares pelos povos antigos e albergando duendes Celtas. Alguns deles ganharam nomes estranhos como: fraga da cobra, ninho do corvo, casa do padre, fraga amarela…
Há recantos místicos entre os penedos, recantos onde crescem açucenas lendárias. Pois, alguém espreitou Ana Fernandes em dia de sábado e a viu caminhar pela montanha, subir a um desses penedos, ajoelhar-se e rezar, cara voltada a sul e as costas para a ermida da milagrosa Senhora do Castelo, “fazendo humilhações e reverências, de quando em quando, com o corpo e a cabeça”. Era cerimónia de judia, pois ali não havia santo nem ermida.
Contava-se também que o pastor estranhava que os patrões não aproveitassem o sangue dos cordeiros que matavam e, questionando ele uma filha de Ana, esta respondeu “que era a alma do cordeiro, que não se comia”.
Em junho de 1600, o vigário geral “fez visitação” oficial em Torre de Moncorvo e todos aqueles factos lhe foram denunciados. E nas pousadas do vigário, apareceram dois estranhos denunciantes: a filha Maria Rodrigues e o genro, Gaspar Varejão. Fizeram-se mesmo acompanhar de frei João de S. Francisco, presidente do mosteiro e confessor de Maria. E esta contou, como sua mãe a ensinara a ser judia e como ela se curou de tal cegueira há mais de 7 anos quando se casou com um cristão-velho. Recordou episódios provando que “sua mãe e seus irmãos vivem na fé judaica e a guardam perfeitamente com todas as cerimónias judaicas”. Veja-se um trecho das declarações de Maria Rodrigues:
- Disse mais que sua mãe muitos dias não comia senão à noite e o que comia era feito em uma panela nova e em tigela nova e feito com colher nova, mas não comia carne naqueles dias nem os ditos seus irmãos Diogo e Brás Rodrigues que também aqueles dias diziam que jejuavam com a dita sua mãe, tendo seu pai e mais gente panela feita de carne para cearem…
Também o genro, Gaspar Varejão “cristão-velho e homem nobre” denunciou cerimónias judaicas que presenciara na casa da sogra (camisas lavadas aos sábados, candeeiro aceso dentro de um cântaro em noite de sexta-feira…). Tal como a mulher, Varejão teve o cuidado de inocentar o sogro, dizendo que a comida dele era feita em outra panela e a sogra e os cunhados “se guardavam e acautelavam” para que ele os não visse judaizar.
Em resultado das denúncias feitas na “visitação”, o vigário-geral dr. Gregório Rebelo de Abreu, fez prender Ana Fernandes e os 2 filhos mais velhos: Diogo e Brás, enviando-os para Braga, dali os remetendo a autoridade arcebispal para a inquisição de Coimbra. (1)
Obviamente que, depois de serem presos em Moncorvo, mãe e filhos foram isolados sem que pudessem mais comunicar-se. Compreende-se, pois, a preocupação daquela mãe de ter novas de seus filhos e estes de saber se a mãe, doente como era, estaria morta ou viva.
Na cadeia de Coimbra, juntamente com 2 companheiras, Ana Fernandes foi colocada na “casa do pano” que era onde se recebiam e metiam ao lume as panelas com os géneros a cozinhar de outros prisioneiros.
Aproveitando panos e papelinhos que embrulhavam géneros, Ana escrevia neles um A, semelhante ao que em casa tinha bordado nas peças de roupa, os quais metia depois nas panelas, um pouco ao acaso. Certamente que os seus filhos reconheceriam a marca, se um escrito lhe fosse parar às mãos.
O primeiro sinal de esperança veio com um desses papéis devolvido em uma panela, com “3 risquinhos” acrescentados ao “A”, mensagem que ela não soube interpretar. Na mesma panela terá então metido uma “conta de azeviche” das que os filhos compraram e lhe ofereceram antes de vir presos. Veio a resposta com uma “conta de cheiro” enviada pelo filho mais velho, conforme tinham combinado. Faltava saber do filho mais novo, Brás Rodrigues, que deveria mandar uma conta de pau. A conta não veio mas um sinal de esperança nasceu quando recebeu uma panela onde, na casca de um pedaço de abóbora, vinham escritas umas letras “que lhe pareceram de seu filho mais moço”.
Entretanto, o acaso fez com que se abrisse uma outra janela de contacto através de “escritos” enviados e recebidos na cozinha com um homem natural de Mogadouro e morador em Lamego, parente afastado de Ana, Pero de Matos de seu nome, advogado de profissão. Ele lhe deu novas de seu filho Brás que estava numa cela por cima da dele.
Seria interessante analisar cada uma das mensagens trocadas entre Ana e o filho e entre ela e o advogado mas o espaço limitado do jornal não o permite. Fá-lo-emos em um trabalho mais alargado que estamos preparando. (2) Por agora diga-se que, às muitas perguntas que os inquisidores lhe fizeram sobre as mensagens trocadas, a resposta foi apenas uma: queria saber se os filhos eram vivos ou mortos. Contra todas as evidências e confissões dos filhos, Ana Fernandes manteve-se firme, sempre se dizendo boa cristã.
Impossível resumir aqui o processo e fazer um retrato, mesmo breve, desta mulher enfraquecida de muitos trabalhos e dezena e meia de partos. Veja-se a resposta que deu aos senhores inquisidores quando, ao findar a sessão da genealogia, a mandaram benzer e rezar a doutrina cristã:
- Quanto à doutrina, disse que não estava para a dizer por estar muito fraca mas que em qualquer outro tempo a diria porque a sabia muito bem.
E a resposta que deu quando lhe estranhavam os banhos e as camisas lavadas que vestia:
- Disse que por sua doença vestia todos os dias camisas lavadas porquanto todas as noites suava e que o fazia por respeito de sua saúde.
Deveras interessante para o estudo das lutas políticas e questões sociais da vila de Torre de Moncorvo naquela época é também o processo de Ana Fernandes, o que prometemos tratar em outra ocasião.
Também sobre a evolução do próprio tribunal da inquisição este processo tem notas interessantes. Uma delas refere-se ao Conselho Geral que, pela primeira vez encontramos mencionado em um processo. Com efeito em 23 de Julho de 1602 reuniu para apreciar o processo que lhe foi remetido pelo tribunal de Coimbra e confirmou a sentença proposta: que fosse relaxada e seus bens confiscados. E esta terá sido a primeira pessoa de Torre de Moncorvo queimada nas fogueiras da inquisição.

NOTAS e BIBLIOGRAFIA:
1-ANTT, inq. Lisboa, pº 2398, de Ana Fernandes; inq. Coimbra, pº 37, de Diogo Rodrigues; pº 8799, de Brás Rodrigues.
2-Como aperitivo, vejam a seguinte explicação de um escrito dada aos inquisidores por Ana Fernandes: - E também lhe mandou dizer que lhe escrevesse com sumo do Felgar somente, que era melhor. No que queria dizer que lhe escrevesse com sumo de cebola, porquanto escrevendo com ele num papel ficava branco sem se enxergar e posto defronte do fogo se lê as letras todas as quais ficam amarelas (…) e no dito escrito não nomeou cebola senão Felgar, por dissimulação, porque junto a Torre de Moncorvo há um lugar donde veem as cebolas e são as melhores.
MEA, Elvira Cunha de Azevedo – A Inquisição de Coimbra no Século XVI…, pp. 446-447, Porto, 1997.
 

Cronicando - Caos na nação, mês do coração

"Mês de maio, mês do coração” – um slogan tantas vezes repetido que, poucos serão os que não o memorizaram ao longo de anos. Estranhamente, neste ano, não consta que se tenha repetido e já o mês vai a meio. Na esperança que fosse uma desatenção da minha parte, cliquei na página da fundação que tomava as rédeas da iniciativa e pude constatar que, à data em que escrevo, a página da campanha brinda-nos com um “brevemente disponível” e o programa fica-se por uns torneios, umas jornadas e um peditório.

Tendo uma visão muito particular sobre estas campanhas de massas, e sendo um crítico assumido dos orçamentos que as mesmas absorvem, deveria estar tranquilo e pensar noutros assuntos. Poderia… não fosse conhecer outros projetos que, por falta de apoios, ficaram esquecidos e todo o potencial se foi perdendo. Refiro-me sobretudo a ações de formação, especialmente as que se centram nas áreas da saúde e da educação – pilares das democracias modernas e que, repetidamente, vão sendo relegados para segundo plano. Fica-se, por isso, na dúvida sobre o que terá acontecido neste ano para o impacto do evento ser tão drasticamente reduzido. Seria apenas mais uma campanha a esvair-se sem a opinião pública se aperceber dos seus efeitos, ou talvez não. Poderá, também, ser a metáfora do estado da saúde em Portugal. Uma saúde teorizada, excessivamente burocrática e onde em vez de se pedir ao corpo clínico que trate pessoas, exige-se-lhes a apresentação de evidências do desempenho, seja no hospital da província ou no central que recebe doentes de todo o lado. Exemplos não faltarão. Apenas dois.

Há cerca de duas semanas, um doente traqueostomizado, a necessitar de medicação específica, vê-se confrontado com a dificuldade de aceder ao medicamento porque às vinte horas, a farmácia do hospital estava encerrada. “— Somos um hospital pequenino!” – Desculpou-se a enfermeira “— Mas se for mesmo necessário vou ver o que posso fazer.”

Uns dias antes, uma doente, de oitenta anos, foi mandada para casa sem ter acesso aos procedimentos necessários, porque, depois de fazer duzentos quilómetros, tinha-se esgotado o tempo que o corpo clínico tinha para realizar aquelas intervenções e já não dava para mais. A médica que chefiava a equipa, ao contrário das outras vezes, foi incapaz de vir falar com a família da doente e mandou uma tarefeira. Passados alguns minutos viu-se a correr para o serviço de urgências.

Dois episódios reais. Um na ULS – Nordeste, outro no Hospital de Santo António. A mesma face da mesma moeda, onde de positivo se encontra apenas o humanismo de médicos e enfermeiros e a vontade de fazer melhor com os escassos meios que são colocados ao seu dispor. Obriga-se-lhes a justificar o motivo por que solicitaram exames de diagnóstico, avaliam-se se despenderam mais medicamentos do que é expectável e quer-se que haja sucesso nos tratamentos, como se de mecânica se tratasse.

Se maio é ou foi o mês do coração, também foi o mês das revoluções e das lutas pela dignidade do povo. Deve assumir-se a cidadania e, mais do que agredir médicos e enfermeiros, devem reivindicar-se a melhoria das condições em que trabalham e, sobretudo, que estes profissionais não sejam esmagados por mais um sistema que asfixia, única e simplesmente porque no lugar das pessoas colocou números

Vendavais - Os milagres que Maio trouxe

O mês de maio é rico todos os anos em acontecimentos, uns com data marcada, outros que acontecem ao sabor do vento. Este ano não foi muito diferente.

Com data marcada está, agora e sempre, o dia 13, comemorado todos os anos com a dignidade que o dia e o acontecimento merecem. Fátima, bafejada pela graça divina, elevou-se há 100 anos ao mais alto pódio da religião cristã e se desde então tem sido palco onde se encontram os crentes e até alguns não crentes, este ano o dia mereceu a comemoração do centenário das aparições da Virgem. Também este ano e para realçar o centenário das aparições, juntaram-se mais dois eventos de relevo: a presença do Papa Francisco e a canonização dos pastorinhos. Portugal ganhou mais dois santos.

À volta da presença do Papa em Portugal, geraram-se vários comentários, que alguns acharam ter alguma relação com o facto e tudo passou a ser justificado como se de mais um milagre se tratasse. Se para uns isso foi motivo de sorrisos, para outros foram piadas de muito mau gosto. A verdade é que temos de ter mais postura e responsabilidade no que afirmamos especialmente se isso pode colidir com sentimentos e modos de estar de outros que pensam de modo diverso.

Na verdade, o facto de o Benfica ganhar o tetra pela primeira vez, não terá muito a ver com a vinda do Papa a Portugal já que o Benfica estava à frente da classificação do campeonato há já algum tempo e não se esperava grande alteração a esse respeito. Mas outros vieram dizer o contrário e até puxaram a brasa à sua sardinha ao dizer que o Porto não ganhou precisamente devido a forças externas ao mundo do futebol. Nós sabemos que em Portugal sempre se celebraram os três Fs: Fátima, Fado e Futebol, mas francamente, isto é abuso.

Outro facto que mereceu e bem, a atenção do país inteiro, foi termos ganho o Festival da Eurovisão pela primeira vez. Salvador Sobral foi, com toda a prioridade, o Salvador da Nação. Há muitos anos que perseguíamos esta vitória e chegámos mesmo a ficar em sexto lugar, mas o salto para o primeiro não estava nos melhores prognósticos nos tempos que antecederam o festival. Salvador “amou pelos dois” e Portugal agradeceu e até o ”condecorou” de certa forma ao homenageá-lo na Assembleia da República com aclamação unânime dos deputados. Também a este respeito, muitos correram a afirmar que foi mais um milagre que o Papa Francisco fez ao vir a Portugal, juntando assim uma mão cheia de “milagres” que fizessem esquecer alguns momentos menos bons que o país pudesse estar a atravessar. Enfim! Coitado do Papa Francisco! Se mais nada tivesse que fazer, isto bastava-lhe para se promover a ser o próximo santo em nome de Portugal. Pois, mas ainda há mais.

A verdade é que Costa ao anunciar a melhoria da situação económica de Portugal, a redução do défice, a redução da taxa de desemprego e mais umas descidas quase inesperadas, logo apareceu quem dissesse que se devia a mais um milagre do Papa Francisco. Pois claro! Eu, pessoalmente, não imaginava que o Papa pudesse ter tanto poder! Será que alguém imaginava? Francamente, ponho-me a pensar no que dirão os que não tiveram a sorte de serem bafejados por toda esta panóplia de favores celestiais.

Não sei se Trump é fervoroso de Nossa Senhora de Fátima ou até do Papa Francisco, mas o que lhe está a acontecer este mês de maio não lhe é muito favorável. Não sei se pelo facto de ele não ser suficientemente inteligente para não dizer certas coisas, ou se pelo facto de mesmo falta de sorte! Pode ser que esta visita ao Médio Oriente e ir até ao Muro das Lamentações, o alivie do peso que traz às costas!

Já cá dentro de portas, finalmente Passos Coelho admitiu que a economia melhorou um pouco, mas sempre foi dizendo que era preciso ter cuidado pois não vá ela voltar a piorar. É que ele baixou de 11% para 3% o défice que agora até está em 2,8%. Será que também aqui o Papa teve alguma influência? Não me parece que seja milagre, mas que este mês foi bem recheado de coisas boas, lá isso foi. Venham mais maios!

A NOSSA CULTURA OCA E VÃ

Na lógica, compreensão e extensão são racionalmente o inverso uma da outra, o que quer dizer, em linguagem corrente, que quanto mais uma categoria é definida de forma precisa, menos chances tem de se alargar a um grande número de casos. Inversamente, quando a sua definição é vaga e geral, esta pode compreender um grande número de finalidades. 

Mario Vargas Llosa não é o primeiro a deplorar no seu ensaio de 2012, A civilização do Espetáculo, que a palavra cultura tenha perdido em compreensão à medida que ganhava em extensão. Se tudo é “cultura” – não somente as produções do pensamento, mas também os mitos e os ritos duma comunidade, os seus hábitos alimentares ou vestimenteiros - então a palavra “cultura” já não significa grande coisa. Remete para as crenças e comportamentos colectivos dum grupo particular. É o uso que impôs a antropologia, numa preocupação louvável para dar a conhecer uma legitimidade aos usos e costumes das sociedades ditas outrora primitivas, que os antropólogos e sociólogos estudavam.   

Em sociologia, Alain Finkielkraut, em A Derrota do pensamento (1987) já tinha mostrado – tema recorrente nos seus programas de France Culture - de que forma esta diluição da cultura estava em parte ligada à comunitarização. A cultura no sentido antigo de “humanidades” ou de património intelectual e artístico, tinha uma vocação universal. Enquanto as “culturas” no sentido antropológico ligam entre eles os membros das comunidades particulares.   

A cultura banalizou-se, escreve Vargas Llosa, vulgarizou-se tornando-se vazia e vã.

Em causa, a sociedade do espectáculo, que substitui a vida autêntica pelo representação e os criadores por bufos. Em causa igualmente, a sociedade de massas (civilização), que recusa toda a cultura herdada como um constrangimento, qualquer hierarquização dos valores e dos saberes, aspira à distracção, convida ao divertimento. As indústrias do divertimento mergulham e afundam-se nesta brecha. Alguns veem nisso uma forma de democratização, tratar-se-ia de fazer aceder o maior número de indivíduos ao maior número de obras, e não de substituir o livro pela imagem e a procura da verdade pela distracção. Mas a grande cultura, acusada de elitista e retrógrada, esconde-se e desaparece.

Tudo isto não é nem verdadeiramente falso, nem muito original. Estas ideias foram agitadas desde o séc. XIX pelas correntes alemãs. Mais perto de nós, o universitário americano Allan Bloom, declinou, com A Alma Desarmada, em 1987, um “ ensaio sobre o declínio da cultura geral” nos campus universitários, que ele atribuía ao crescimento da cultura pop. Muitos ensaios recentes denunciaram a diluição da cultura no “tudo é cultura”.

Mais original, parece ser o papel nefasto que atribui Mario Vargas Llosa à teoria da Desconstrução (J. Derrida) neste desmoronamento cultural. Levando qualquer tentativa de elucidação da realidade a discursos equivalentes e sem objecto.

Presa entre as indústrias do divertimento, por um lado, e os vários sofismas, por outro, a cultura autêntica estaria a passar um mau bocado. Contudo, enquanto os romances de Mario Vargas Llosa encontrarem leitores, a cultura não se portará muito mal…