Ter, 07/06/2016 - 10:07
Cada dia que passa parece varrer a nossa vida de transmontanos com os ventos uivantes das bocas do inferno, que ameaçam queimar-nos os ossos até ao pó, para que não fique réstia da nossa presença.
Já chega de lamúrias, dirão alguns, de sorriso escarninho, quase exultantes na sua soberba. Não percebem, talvez, que poderemos já não estar em tempo da cordata vénia, mas da coragem de mostrar que basta tanta manipulação, tamanha desfaçatez, que já se permite o desprezo ostensivo pela dignidade destas gentes.
O que vimos e ouvimos nos últimos dias, leva-nos a “realizar”, como diria este bom povo, que o inferno tem muitas portas, por onde poderemos precipitar-nos para a eterna perdição, por mais que sejamos puros de coração e nos aproximemos da condição dos justos.
Como não somos “toínhos” de todo, tentemos desvendar o sentido do enredo. A meio da semana ouvimos dizer que o presidente da CCDRN tinha desobedecido ao governo. Por isso, surgiam balidos que imploravam a sua demissão. Rapidamente se tornaram berros e não passaram três auroras para que tudo se consumasse. O que tinha, afinal, acontecido?
Rui Moreira, duque da Foz, marquês da Ribeira, conde do Campo Alegre, visconde da Areosa e barão da Boavista, lograra negociar mais uns milhões para a sua cidade, no sussurro dos bastidores.
Tratou-se de cozinhar um privilégio irrazoável para a área metropolitana do Porto, servindo-se descaradamente de financiamentos europeus, garantidos pela condição dos deserdados do interior em geral e do nordeste transmontano, em particular. Sem o mínimo pudor, que confirmámos quando percebemos que a manobra se integrou num negócio que passará, pelos vistos, pelo apoio do partido do governo à certa e sabida recandidatura de Moreira ao palácio dos Aliados.
Estas negociatas são ensaios para o definitivo pontapé no nosso traseiro, que nos lançará no infernal caldeirão, para gáudio de todos os demónios.
Quando esperávamos que o presidente da República, guardião mor da lisura democrática, marcasse, com firmeza, os limites entre a cidadania e a manigância, eis que, numa visita a Rui Moreira, o vemos banalizar o manobrismo, reconhecendo-lhe até legitimidade, ao mesmo tempo que apelava à negociação, ao consenso e ao bom senso, quando todos percebemos que o que fora negociado às claras foi posto em causa às escuras. Quando nem com o guardião podemos contar, só nos resta esperar que nos empurrem, sem dó nem piedade, para a fornalha.
Quase desenganados, resistindo ainda à vertigem suicidária, aportámos à nova semana a ouvir um empreendedor que, há mais de oito anos, espera decisões para repor em funcionamento a mineração de ferro em Moncorvo. Diz-se descontente, desiludido, mesmo irritado, o que poderá significar a vontade de abandonar a região para não mais voltar, enquanto riqueza e emprego continuam no mundo dos sonhos.
Aqui estão três visões do nosso inferno, cada vez mais inevitável. Levem a leitura deste texto como uma forma de aliviar os corpos e as almas dos azorragues da nossa história, sem honra nem glória, também por culpa nossa. Só nos resta assustar o diabo com um “vade retro”.
Por Teófilo Vaz