A literatura não se vende ao quilo

PUB.

Ter, 12/06/2018 - 09:33


Queixamo-nos, com razão, do centralismo das direcções políticas instaladas na república, que todos os dias nos vai esvaziando os territórios, sem que encontremos ponto de apoio para acreditar no futuro.

Mas precisamos de tomar consciência das nossas próprias responsabilidades no que nos vai empurrando para um beco sem saída. Temos ido pouco além da displicência, da rendição pueril às ilusões que a grande urbe multiplica, amolecendo-nos a coragem e sequestrando-nos a própria alma.

No fundo, parece que ficámos a contragosto, só para não trocarmos a tranquilidade salobra da resignação pelo risco de outros horizontes. Isso mesmo insinuam alguns dos que mandam e outros, dos de cá, que se acolheram, impantes de “guitcheza”, aos palcos da tragicomédia que tem entretido o país.

Já foi dito e redito que as lideranças regionais e locais se acomodaram, com resultados nocivos para toda a vida que aqui resta. Se nos dispusermos a observar manifestações reclamadas como expressão de dinâmicas culturais na região, verificamos que se vão promovendo actividades quase sempre reconduzidas à replicação de modelos concebidos para animar a mediania, mais consumista que reflexiva, orgulhosa por acompanhar as marés e envergonhada por cheirar a terra e a feno.

Entregar a empresas, lisboetas ou aparentadas, o desenho de um festival literário em Bragança ou noutro qualquer município da região conduz, naturalmente, ao fornecimento de um produto que pouco ou nada terá a ver com o pulsar destas gentes. Por isso, o Festival Literário de Bragança foi uma operação de promoção de escritores que até podem vender à tonelada nas grandes superfícies, como acontece com outros produtos, mas não deixarão contributos importantes para a história da literatura.

A política cultural autárquica não deveria ceder à tentação da aparência. Esperar-se-ia um esforço para integrar e promover escritores de referência da região, num modelo que assumisse a responsabilidade de seleccionar figuras nacionais e internacionais da literatura, de modo a garantir impacto no panorama cultural nacional.

Se é verdade que a aposta na originalidade, na diferença e na qualidade é fundamental ao nível do turismo, da gastronomia e do património etnográfico, não se entende que, no que respeita à literatura, nos sintamos satisfeitos com programas condicionados pelo “mainstream”, voltados para o efémero e distanciados do que emana da nossa condição de transmontanos e nordestinos, que não nos torna criaturas exóticas, mas integra componentes irrepetíveis porque resultam de sonhos e mágoas que vamos deixando pelos caminhos desta vida.

Já basta que as cidades e vilas adoptem soluções urbanas standard, que os espectáculos de reconstituição histórica, também entregues a empresas de dúbia competência, se revelem de uma entediante falta de originalidade.

A autenticidade e o respeito por nós próprios podem ser factores de prestígio, capazes de atrair a atenção do resto do país e do mundo. Muito mais do que aceitarmos a diluição no caldo enjoativo da cultura embalada e pronta a servir como qualquer fast food.

 

Teófilo Vaz