Ter, 16/10/2018 - 10:03
Os interessados na História já compreenderam que a observação do devir requer atenção especial às dinâmicas de profundidade que, muitas vezes, não se compadecem com a espuma dos dias, fonte de ilusões caprichosas, ao sabor das pulsões de cada vida, sempre curta e destinada a diluir-se no tempo, o impassível Cronos, como lhe chamaram os antigos gregos.
Por isso, não se deixam levar por entusiasmos de amanhãs radiosos, de mundos novos, de grandes conquistas que levariam a Humanidade ao paraíso sem retorno.
De facto, é avisado perscrutar as profundezas, o mundo das sombras, território do velho Hades, onde a esperança é o bombo da festa, objecto de gargalhada geral das entidades infernais.
A civilização é uma construção permanente, sob ameaça constante, uma utopia que requer coragem para fazer o caminho, mas também inteligência para iluminar cada novo passo, de modo que não se resvale para os abismos da irracionalidade, o nada que é tudo.
Do que conhecemos, têm-se verificado verdadeiros abanões que nos impõem especial atenção para não cairmos na tentação do imediatismo, muito menos na descuidada propensão para desprezar o que não vemos a olho nu, mas que existe para além das nossas fantasias sobre a realidade.
Sentimos que a vida não chega para tanta espera. Herdeiros de Maio, em Paris, exigimos o impossível já, acreditando que se chegará a um novo paradigma, mais adequado às nossas expectativas que, afinal, podem não ser as dos que nos substituirão no futuro. Cobrimo-nos de soberba, em vez de humildemente despojados e atentos aos sinais de tragédia.
O egocentrismo encontra sempre bons motivos, o diabo são sempre os outros a resfolegar na boçalidade, na ignorância, na miséria moral e ética, sem asas para voar aos céus da grande aventura.
Precisamos de reconhecer que a história foi deixando sinais de alerta para a necessidade vital de estarmos atentos para além das aparências. Refluxos civilizacionais não têm faltado e podemos estar a mergulhar em mais um, sem calendário previsível para o retomar do caminho. Basta lembrarmos os mil anos da Idade Média europeia, obscura e dolorosa, depois do modelo ímpar que foi o império romano, para que a inquietação nos invada.
Mas, podemos chegar-nos mais ao tempo que vivemos. Há cem anos Lenine acreditou ter mudado o mundo, quando saiu vitorioso de um golpe revolucionário. Não viu, setenta e dois anos depois, como a sua obra foi engolida pela tectónica imprevisível da realidade social, onde pontificam as forças do instinto, que muda pouco a cada geração, mantendo-nos dependentes de superstições, tabus e preconceitos.
O Brasil é hoje caso extremo e agoniante da desilusão profunda que a vida nos reserva. Mas, neste país também estaremos a deixar-nos levar por evoluções espectaculares do direito a todos os caprichos, enviesando a percepção do fundamental até à surpresa esmagadora do retorno do autoritarismo vingador, alimentado pela repulsa e pelo medo de demónios reais ou imaginados.
Teófilo Vaz