A moda das calças rotas...

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Ter, 13/03/2018 - 10:42


Olá familiazinha!
Estamos a poucos dias de entrar na Primavera e agora é que o Inverno se lembrou de ‘atacar’. Nunca estamos bem com a roupa que temos. Se não chove, “ai tio, ai tio, que não chove”, se chove uns dias já é demais e já podia parar de chover, que já aborrece. Como diz o tio Lita: “- Em Caravela quando chove, deixamos chover!” O tio Pereira, de Valpaço (Vinhais), disse-nos que agora era bom que parasse de chover por quinze dias, para dar tempo de amanhar as terras e depois já poderia voltar a chover.
Como ainda não há máquina para isso, seja feita a vontade do Criador.
No passado dia 8 de Março (quinta-feira) festejámos, no nosso programa, o Dia Internacional da Mulher, embora o dia da mulher seja todos os dias do ano. A mulher rural foi a mais homenageada, mas também o tio João Castilho, de Bragança, nos confidenciou que, na sua família, tem 22 mulheres, entre esposa, filhas, noras, netas e bisnetas. Como reza na sua poesia o tio Carlos da Conceição, do Soito (Sabugal):
“A mulher é um anjo que Deus criou./No seu amor mais profundo/É a mais bela rosa que plantou/Para fazer florir o mundo”. Vivam as mulheres.
Na última semana faleceu, vítima de um AVC, a tia Alice Cameirão, de Pinelo (Vimioso), que deixou expressa a sua vontade que fosse a tia Irene, de Samil (Bragança) que rezasse as orações da manhã à sua alma. O seu desejo foi concretizado. Paz à sua alma e os sentimentos ao seu marido e ao filho Patrick que chorou a morte da sua mãe em directo connosco.
Depois das lágrimas, as alegrias. Na semana passada estiveram de aniversário a tia Antónia Pastora (58), de Rio Frio (Bragança); a tia Margarida (59), de Cal de Bois (Alijó); a tia Maria Adelaide (69), esposa do nosso tio Acácio, de Alfaião (Bragança); a tia Ilda, de Vila Nova (Bragança) e o nosso JPV (José Pereira Vieira), meu grande amigo pessoal, chegou aos três quarteirões (75). Que continuem a festejar sempre a vida connosco.
E se agora a moda é andar de calças rotas, é bom que se saiba que antigamente era por necessidade e agora é por vaidade. Quem nos vai falar disso mesmo é o nosso tio Belmiro dos Santos, de Grijó de Parada (Bragança), no texto que agora se segue.

O garoto de socos e calças rotas
Num dia de chuva, a dezoito de Abril de 1946, em plena Primavera, chegava mais um habitante a esta terra. Só que minha mãe pariu-me quase morto, chamaram o carpinteiro para fazer o caixote a contar que eu já não escaparia pois até chamaram o tio Francisco Esbarriga que era o sacristão, na altura, para me sopiar e mandar-me para os anjinhos. Mas talvez por sorte ficou a viagem adiada, era o meu primeiro dia de vida. O tempo foi passando e fui crescendo. A primeira coisa que aprendi logo de pequeno foi a ser boieiro. Antes de aprender a ler já sabia guardar vacas, quando chegava o Verão era uma grande chatice, ainda vinha o dia não sei onde e ouvia-se uma voz lá no outro canto da casa:
– Filho levanta-te, são horas de ir com as vacas para o lameiro.
Ora como eu gostava muito de dormir, era uma tortura de sono, depois adormecia no lameiro. As vacas iam fazer mal e no dia seguinte lá estava o tio Artur a bater à porta:
– Oh Zé Emílio, chega aí. O teu filho deixou-me comer a horta.
– E como é que você sabe?
– Sei porque conheci o rasto dos socos.
– Oh homem, as minhas vacas não calçam socos nem sapatos.
– Pois não, mas o teu filho é muito esperto, andou com um pau a tapar o rasto das vacas.
E eu por detrás da porta, a ouvir esta conversa. Quando o meu Pai chamou por mim, o meu coração batia que parecia um motor de rega, pois já sabia o que me ia acontecer. Nesse dia levei um enxerto que nunca mais me esqueceu.
Naquela altura o trabalho infantil era muito importante, pois até se ouvia dizer com frequência “o trabalho do menino é pouco, mas quem o perde é louco”. A palavra exploração infantil não tinha fundamento algum, além de necessário, logo desde muito tenro, era quase obrigatório aprender a fazer tudo quanto dizia respeito à agricultura. No meu caso concreto, depois de ter feito a quarta classe, além de aprender a lavrar e a fazer outros trabalhos, também fui pastor. Era necessário ajudar os meus pais a ganhar algum dinheiro porque a vida era muito difícil. Ainda bastante jovem passei muitas semanas sem poder vir a casa, especialmente durante a Primavera e o Verão. Hoje sinto grande saudade daquelas noites de luar, quando dormia na minha cabana, à beira do meu rebanho, respirando o perfume dos montes floridos e assistindo ao romper do dia, quando acordava com as melodias das cotovias. Era a beleza da natureza ali tão perto de mim, enquanto as Primaveras iam passando pela Primavera da minha vida, sempre com a esperança num futuro melhor e muito atento às mudanças dos tempos. A era moderna estava muito próxima e eu até já andava na moda sem saber: não precisava de comprar calças rotas como agora fazem, mas as minhas calças rotas eram muito mais bonitas. A perfeição dos remendos era tal que pareciam quase bordadas e o que lá estava escrito, sem letras, só eu conseguia ler: “AMOR DE MÃE”.
Das minhas calças rotas ninguém sabe, mas guardo essa recordação. O armário é a saudade e eu tenho a sua chave no coração.

Belmiro dos Santos
Grijó de Parada (Bragança)