Uma questão de ética

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Se o mundo girasse ao ritmo das notícias e os problemas se resolvessem de acordo com o alinhamento, a realidade seria diferente e as probabilidades do ser humano concretizar os seus sonhos aumentaria exponencialmente. Se daí decorreria um acréscimo no índice de felicidade, já não seria tão linear, embora em alguns momentos seria o que de melhor poderia acontecer à humanidade.

No momento em que o incêndio da catedral de Notre-Dame centra as atenções do mundo e o acidente da Madeira preocupa os portugueses, tudo o que alimentou a comunicação social nos últimos dias, deixou de existir. Há, no entanto, outros assuntos que nem sequer fizeram parte do alinhamento dos noticiários ou, se tal aconteceu, a abordagem ficou-se pela superficialidade não havendo, por isso, a desejada proporcionalidade entre o impacto na vida das pessoas e o desenvolvimento dado. Na altura em que o país viveu um dos momentos mais tensos em termos energéticos, deparamo-nos com a comunicação social a alimentar a histeria coletiva e a contribuir para um clima de alarmismo reforçando a ideia de que está iminente a ruptura de stocks. De norte a sul, as filas para abastecer foram intermináveis, havendo quem não só tivesse atestado o depósito como adquirisse bidões de reserva, quadruplicando, em setenta e duas horas, a despesa mensal de combustível. Este surto tão caraterístico das massas desinformadas alastrou-se aos bens de primeira necessidade com receio que o transporte de mercadorias pudesse ser afetado. Perante tal cenário, impõe-se questionar quem ganha e quem perde numa situação que revestindo-se de alguma gravidade não foi, porém, catastrófica e irreversível. Como se viu, bastou que as partes se tenham entendido.

A fazer fé no Expresso de 17.04.2019, desde um de abril havia o pré-aviso de greve pelo que, a onze do corrente, o governo decretou serviços mínimos para o sector. Não sendo, porém, uma das partes envolvidas no conflito tinha, no entanto, o dever de salvaguardar o bem comum e de gerir de outro modo a tensão que, previamente, se sabia resultar neste tipo de ocorrências. Não se pretende com isto dizer que a tutela foi conivente com os grupos maioritários do sector. Contudo, ao segundo dia de greve, os preços dos combustíveis dispararam e, desta vez, nada teve a ver com a cotação da matéria-prima nos mercados internacionais nem com o aumento das taxas sobre os produtos. Ou seja, alguém comprou barato e, em resultado da conjuntura, vendeu caro e nem a comunicação social nem a maioria dos consumidores se aperceberam de que se está a pagar mais por menos. Não será também fruto do acaso que, nos postos de algumas das marcas, se encontra afixada informação dizendo que determinado tipo de cartão (frota) se encontra suprimido por motivos alheios à própria marca.

A reivindicação do reconhecimento de uma categoria profissional específica e uma diferenciação salarial dos restantes motoristas até pode ser legítima e facilmente compreendida pela população em geral. Porém, deve-se refletir se é legítimo um grupo profissional, com cerca de mil membros, ter um país em suspenso e a cada hora que passa mais paralisado. Para minimizar o impacto, agiu bem António Costa ao criar a rede estratégica de postos de abastecimento destinada a abastecer sectores prioritários na área da segurança e da saúde.

Destas setenta e duas horas devem retirar-se as devidas ilações, sendo que a primeira é a necessidade premente de rever a dependência do país em relação à energia fóssil, a segunda é a legitimidade em interromper as prospecções de petróleo que estavam em curso. Parecendo duas linhas contraditórias, o certo é que uma deve complementar a outra. Por um lado, é imperativo a diversificação das fontes energéticas, sobretudo, com uma aposta séria na chamada “energia limpa”, por outro, e porque a diversificação dos recursos é fundamental, deve dar-se oportunidade ao petróleo, sendo capazes de entender que já passaram mais de setenta anos da primeira tentativa de o encontrar em território português. Hoje há estudos de impacto ambiental e, enquanto não se atinge a neutralidade carbónica, teremos de nos governar com o que aparecer.

Entretanto, nós, transmontanos, mais uma vez olhamos para lá da fronteira e, andando mais uns quilómetros, abasteceremos tudo quanto quisermos. A vantagem da interioridade.

Raúl Gomes