OS JUROS DO BCE

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O Professor Diogo de Lucena, quando era Administrador da Gulbenkian, com o pelouro da Ciência, numa conferência, no IGC, sob o tema Ciência e Economia, disse que os movimentos económicos na sociedade são intrincados, têm origens muito diversas, algumas rígidas, outras voláteis, muitas racionais e outras tantas emocionais, criando um caldo complexo de difícil expressão matemática, com resultados muitas vezes inesperados e não raramente surpreendentes. Mas são todos compreensíveis, explicáveis e até teorizáveis, com grande racionalidade e exposição clara das relações causa efeito, qual a origem dos mais inimagináveis cenários e como tudo se encaixa na perfeição nas várias teorias económicas... quando analisados à posteriori. Sabemos hoje, perfeitamente e com detalhe, todos os motivos, todos os porquês que desembocaram nas maiores crises económicas e nos períodos de maior progresso, desde a grande depressão até à euforia bolsista e as interligações entre elas. Mas é difícil prever, com exatidão, o comportamento da bolsa na próxima semana e quase impossível fazer um cenário económico de lar- go prazo, para futuro. Cristine Lagarde veio a Sintra GARANTIR que só há um caminho para combater a inflação, garantindo que não há alternativa à crescente e teimosa subida das taxas de juro, da contenção salarial e da mitigação dos apoios sociais pois, de outra forma, ver-nos-emos submergir na avassaladora espiral inflacionista e seremos devorados por violenta e arrasadora crise económica. Di-lo, do alto do seu elevado trono de Presidente do todo poderoso Banco Central Europeu, sustentando o seu discurso em relatórios credíveis, em estudos elaborados, em teorias dos mais reputados professores de economia e me dados recolhidos e analisados por competentes especialistas. Doa a quem doer (e vai doer muito a muitos, aos mesmos de sempre, dolorosamente aos mais desfavorecidos, penosamente para eterna- mente sacrificada classe média, para proveito dos bancos e quejandos e glórias dos dirigentes e gurus) o caminho está traçado e vai seguir, sem hesitações nem recuos. Até porque, vê-se, a inflação está a baixar e, portanto, é preciso malhar no ferro antes que arrefeça. Alguém lhe poderá contar a velha história lusitana do cavalo do espanhol que morreu, precisamente quando o dono conseguiu desabituá-lo de comer? É que a possibilidade (muito plausível) de haver coincidência entre a desci- da da inflação com o pico dos juros impostos pelo BCE pode dar-lhe o argumento que lhe faltava para reclamar a justeza das sua absurda obstinação. Não podemos esquecer que esta senhora liderava o FMI quando este advoga- va políticas draconianas de austeridade para superar a crise inciada em 2008 com a derrocada do sub-prime. Na altura criou-se o acrónimo TINA (Thers Is No Alternative), por se garantir ser aquele o Único caminho possível. A superação desse período dramático parecia dar-lhe razão. Porém, políticas posteriores e estudos sérios e aprofundados vieram demonstrar que não, dando corpo e substância à tese do Prof. Diogo de Lucena. Não quer dizer que o combate não passe, igualmente, por um ajuste nas taxas de juro. Mas não nesta corrida desalmada, ilógica e desumana. Facilmente se percebe que se houver forma de reduzir o poder de compra para níveis inaceitáveis... a inflação será, necessariamente contida, reduzida, anulada ou até com valores negativos em função da severidade do corte. Mas ninguém acreditará que é nesse ambiente que a elite dirigente pretende viver no próximo futuro, muito menos a reconhecida consumista Cristine Lagarde.

José Mário Leite