O Meinante

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Assim chamavam ao homem meão: trago ao conhecimento dos leitores este pequeno agricultor de Lagarelhos, não na fantasia de através deste escrito e ficar quite com a obrigação de descrever ou lembrar pessoas simples, algumas vinculadas à classificação de simplórias, de um modo geral eivadas de bondade, desprovidas de inveja, conformadas com a sua sorte, triste, porque confinados ao seu apertado e estreito reino circular resignavam-se, trabalhavam arduamente, autênticos servos da gleba, vestiam camisa lavada nos dias de festa, comiam um pouco melhor nesses mesmos dias nomeados como é exemplo estridente a matança do porco, o dia de tirar a barriga de misérias, nessa sisudez quebrada quando surgia uma trovoada violenta, um incêndio na aldeia, uma morte inesperada a provocar estupor e consternação na comunidade. Sim, eu sei, na boa literatura e nos livros de “papel pintado” como os acoimo, tenho de acrescentar os digitais, abundam figuras parecidas ao Homem central da crónica. Se Aquilino, acima de todos o enorme Raul Brandão, trataram tais desprovidos de tudo de modo a percebermos a grandeza de anima de seres cujo fatum os colocou numa extenuante existência de só serem ouvidos e ora lembrados por serem sinuosidades humanas. A torto e a direito digo e escrevo quão mesquinho e invejoso é um País que não concede a importância devida a Raul Brandão, a melhor forma seria levar os meninos e matulões mesmo os da geração rasca a lerem obras dele, por exemplo Os Pobres, O Gebo e a Sombra, A Morte de um Palhaço, a Farsa, de forma a entenderem quão ignaros são no tocante à riqueza e pluralidade dos monumentos escritos entre outros por os seus émulos Luís de Camões, Sá de Miranda, Francisco Manuel de Melo, Padre Manuel Bernardes, Padre António Vieira, Camilo, Eça, Nemésio e Tomás de Figueiredo. Acrescento ainda, todos quantos se compungem por terem dificuldades da altura dos Himalaias a fim de parirem um livro porque nasceram longe dos bairros chiques de Lisboa, e choram baba e ranho em virtude de na meninice descaroçaram as cerejas ao contrário da vedeta televisiva, Fortunato de apelido, arvorados em escritores, deviam ler pelo menos quatro vezes o notável Húmus e as Memórias do majestoso sem culto Brandão a fi de pensarem no seu talento dedica a nos lembrar a existência dos humilhados e ofendidos a principiar pelos seus familiares sem qualquer maldade por parte deles. Detesto os lamurientos instalados comodamente nas suas casas ancestrais, no remanso de férias, capazes de chorarem ao ler Pão Partido em Pequeninos do obliterado Manuel Bernardes, incapazes de gritarem no adro ao saírem os fiéis da massa, levando os conterrâneos a interrogarem-se sobre a causa dos senhores doutores e engenheiros gritarem, eles, tão doutorais, tão compostos, tão divertidos na gravidade encerrada no canudo. Outros, na época dos passadores de corpos fizeram-no por imperativo de consciência numa mistura de ingenuidade e parvoíce, preferindo observar os dedos róseos do raiar da aurora a arrotar lamentos e colocar os dedos a premir bubas imaginárias. Pois é: há sem dúvida quem se coce tédio, o Senhor Meinante, deixem-me trá-lo desta maneira coçou-se sempre porque as pulgas, os percevejos, os piolhos apreciavam a seiva do seu sangue, arrepiando-se os parasitas quando ele corava lágrimas de sangue na infinita tristeza do beijar as faces das parentes no momento da definitiva separação fruto da forçada emigração consequência da aridez dos terrenos pobres a gerarem fracas colheitas, penúria e emigração. A emigração é um novelo enovela do de lágrimas e suspiros (obrigado Ingmar Bergman) cujo conteúdo encerra enganos, desejos, traições, ciúmes, invejas, denúncias e tutti-quanti a caca humana assola e tolda o bom senso possibilitando o espraiar das nossas pulsões negativas. O irmão da Senhora Maruja (infatigável acarretadora de água da fonte de Santochão) recebia elogios e convites dado ser avesso a contorções nos sulcos gravados pelo arado, a competência dele e de outros levava os donos de terras a querem-no como obreiro. Os agoniados escritores (alguns) doridos devido a não terem crescido rente às Universidades se largarem o papel pintado e ascenderem à categoria de criadores dentro do conceito do por eles concebido sem estarem encostados a modismos facilitadores das expressões. O Sr. Meinante traçava os sulcos baseado na condição do terreno (fresco ou seco, forte ou fluído, fundo ou superficial, na pujança dos seus braços na orientação do arado, na força das vacas. Leitor impenitente, às vezes forçado a lar cousas indigentes (podem considerar presunção), refugio-me na releitura dos autores de sempre dada a sua coriácea qualidade estilística, poupando os olhos habituados a folhear autores de grande êxito temporário logo efémero.

Em Menino vi e observei o talento do inofensivo e crédulo sulcador de regos nas terras da aldeia, na idade a beirar a quarta categoria recordo-o na categoria de símbolo na perfeição imperfeita das courelas conseguindo o louvor dos considerados perfeitos, escrevendo nos solo assemelhando-se aos prosadores de tal talento que conseguiram e conseguem romper o híman duro dos editores caçadores de lucros fáceis apostando nos escrevedores de obras de êxito fácil, as quais passada a onda desaparecem da nossa memória num relâmpago em trovoada seca. Os arados entraram na categoria de semióforos, escrever à «unha» também, os computadores e a Internet conseguiram o regresso da multiplicação… dos livros. Em Cartagena das Índias os conhecidos cumprimentam-se – me lê – por cá não tarda a chegarmos a este estádio. Vou continuar a reler os Mestres dos que sabem, a sorrir ante os queixumes dos deserdados das noites feéricas da noite lisboeta, entretidos a suspirar debaixo da luz da candeia a recitarem litanias e soltarem suspiros por a fada não o terem bafejado como o fez relativamente a Nabokov só para citar um dos maiores das letras universais. 

Armando Fernandes