NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Francisco Ferreira Isidro (n. Freixo de Numão,1685)

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Francisco Ferreira Isidro é bem um exemplo do trasmontano sefardita empreendedor que pega em tudo o que aparece e tira proveito das situações. Tinha uns 18 anos quando abalou para o Brasil, atraído pelas novas que dali vinham. Chegaria à Baía e aos Campos da Cachoeira por 1703 e começaria por entrar no mundo da agropecuária, tratando-se de uma região de excelência na produção de açúcar, tabaco e solas, produtos dos mais procurados na Europa. (1)

Mas logo teve notícias de descobertas de ouro mais a sul, na região que tomaria o nome de Minas Gerais e, por 1709, Ferreira Isidro deixou a Baía e a Cachoeira, metendo-se a caminho das Minas, provavelmente acompanhado por Manuel Nunes da Paz, certamente seu conhecido dos tempos da infância passados entre Freixo de Espada à Cinta, Vilvestre e Lumbrales, terras castelhanas de fronteira. A propósito desta viagem, temos uma declaração do mesmo Francisco feita em 1727:

- Disse que haverá 18 anos no sertão da Baía, a caminho das Minas, dois ou três dias de jornada dos campos da Cachoeira, se achou fazendo a jornada com Manuel Nunes da Paz, cristão-novo, tratante, então solteiro e hoje casado, filho de Diogo Nunes Henriques… (2)

Por toda a parte se começaram então a montar arraiais mineiros, com cabanas e casas abarracadas que originaram a formação de povoados novos no sertão brasileiro. Entre eles foi o Ribeirão do Carmo que primeiro ganhou o estatuto de vila, em 1711 e Francisco Ferreira Isidro contar-se-ia entre os fundadores, ali chegando por 1709. (3)

Começou por comprar uma roça e tinha “dois bois de carro” para o seu amanho. Ignoramos as culturas agrícolas produzidas na roça onde construiu duas “casas de telha”. Podemos então considerá-lo um colono, lavrador de roça.

Mas era também mercador, com loja de tecidos estabelecida, conforme ele próprio confessou:  “no sítio que chamam as Casas Altas, termo da vila do Ribeirão, em casa que ele confitente ali tinha para vender suas fazendas…”

Porém, tratando-se de uma terra nova, a construção civil era um campo a explorar. Aí, o fabrico de telha e ”tijolos” seria fundamental e Ferreira Isidro espreitou o furo: fez construir uma olaria. E assim o vemos, feito empreiteiro a vender casas e a fornecer telhas.

A colonização brasileira foi essencialmente feita com mão-de-obra escrava, originária de África. E como colonizador, o nosso biografado, adquiriu 25 escravos, o que representava um investimento notável: 18 mil cruzados, ou seja, mais de 7 contos de réis!

Obviamente que o garimpo era fundamental e a atividade principal de Ferreira Isidro era a de mineiro, atividade em que os escravos seriam principalmente utilizados.

Empresário de sucesso, dava emprego a dois caixeiros: o seu sobrinho Luís Vaz de Oliveira (4) e Gaspar Fernandes Pereira, natural de Mogadouro e com uma aventura empresarial igualmente interessante por terras do Nordeste Brasileiro. (5)

Isidro foi denunciado por 89 testemunhas com as quais se terá declarado seguidor da lei de Moisés e feito cerimónias judaicas. A grande maioria era constituída por cristãos-novos da região do Douro Superior, o que nos dá ideia sobre o tecido social construído na região de Minas Gerais pelos que daqui foram naqueles primeiros tempos. E se falámos de dois caixeiros que com ele trabalharam, importa referir alguns dos que com ele mantiveram mais estreitos contactos, aparecendo nas listas de denunciantes e denunciados.

Desde logo e como atrás se referiu aparece Manuel Nunes da Paz, natural de Lumbrales e todo o seu grupo familiar, assistente em Freixo de Espada à Cinta, com vários membros emigrados na região. Também de Freixo de Espada à Cinta, os filhos de Francisco Nunes e Maria da Fonseca, moradores no arraial de Serro Frio e minas de Cayaté.

Outro nome que importa registar é o de Clara Lopes de Mogadouro, moradora na Cachoeira, que liderava um verdadeiro clã, no qual se incluíam os filhos e vários parentes como José da Costa “que move negócio para o reino de Angola” e os mineiros Domingos Pereira e António Fernandes Pereira, seus netos.

Em dezembro de 1725 foi mandado prender, sendo entregue na cadeia de Lisboa em 6 de outubro do ano seguinte, trazido do Rio de Janeiro sob a responsabilidade de José Semedo, capitão da nau Nª Sª da Conceição. Tinha 41 anos e mantinha-se solteiro. Ao identificar-se perante os inquisidores, Francisco Ferreira Isidro disse que “era natural de Freixo de Numão, ou de S. João da Pesqueira, ou da Touça”. Depreende-se que seus pais não teriam “pouso” muito certo. O que logo corroborou dizendo que seu pai era de Torre de Moncorvo ou Vila Flor e sua mãe era “moradora em Vilvestre e Vitigodinho, no reino de Castela, na fronteira deste Reino”.

Luís Vaz de Oliveira se chamou o pai, que era filho de Diogo Vaz de Oliveira, de Vila Flor e Francisca Vaz, natural de Torre de Moncorvo. Ambos foram presos pela inquisição de Coimbra em junho de 1658, sendo moradores na cidade do Porto. (6) Henrique e Manuel Vaz Oliveira, também seus filhos, irmãos de Luís Vaz foram-se para Espanha e tinham loja de mercadores no Puerto de Santa Maria.

A mãe de Francisco Isidro teve o nome de Filipa Henriques e era filha de outro Francisco Ferreira Isidro, que foi capitão de uma companhia de tropas auxiliares que participou na batalha das Linhas de Elvas. Também ele conheceu as cadeias da inquisição. Este Francisco Ferreira Isidro foi casado com Francisca Vaz Alvim que, para além de Luís, lhe deu mais um filho e duas filhas, uma das quais se chamou Isabel Cardosa (7) e morou em Freixo de Espada à Cinta, casada com Duarte Nunes Cardoso.

O nosso biografado tinha 3 irmãos e 3 irmãs, uma das quais chamada Francisca Vaz ou Alvim que morou em Saucelhe, Castela, casada com o boticário João Sanches Majoral e foram os pais do caixeiro e mineiro Luís Vaz, atrás referido; de Francisca Henriques de Oliveira que morou no Porto, casada com o cabeleireiro e estanqueiro do tabaco José de Miranda e Castro e de Francisco Ferreira Sanches Isidro que, quando a mãe foi presa, deixou Freixo de Espada à Cinta e foi para Portalegre onde o seu padrasto (António Nunes Cardoso) tinha estanco do tabaco e depois se dirigiu à cidade do Porto e embarcou para Londres onde permaneceu cerca de um mês, frequentando a sinagoga mas não conseguiu integrar-se na comunidade judaica, regressando a Lisboa a apresentar-se no tribunal da inquisição onde contou a sua aventura religiosa. Tinha 15 anos e muita terra percorrida! (8)

O processo de Francisco F. Isidro decorreu dentro da “normalidade” com o réu a mostrar-se colaborante desde o início, dizendo-se arrependido e pedindo perdão de seus erros. Terminou condenado em cárcere e hábito perpétuo no auto da fé de 28.7.1728. trata-se de um processo interessante para o estudo das relações transfronteiriças dos cristãos-novos de Freixo de Espada à Cinta e mais ainda da vida quotidiana da comunidade sefardita do Douro Superior emigrada nas Minas Gerais do Brasil.

 

Notas e Bibliografia:

1-ANDRADE e GUIMARÃES – Os Isidros, a epopeia de uma família cristã-nova de Torre de Moncorvo, ed. Lema d´Origem, Porto 2009.

2-ANTT, inq. Lisboa, pº 11965, de Francisco Ferreira Isidro.

3-Ribeirão do Carmo foi elevada à categoria de vila em 1711. Em 1745 foi batizada com o nome de Mariana e ascendeu a cidade, então escolhida para sede de bispado.

4-Luís Vaz de Oliveira era filho de Francisca Alvim, irmã de Ferreira Isidro, a qual foi relaxada no auto da fé de 25.7.1728. Foi para o Brasil aos 9 anos, chamado por seu tio de quem foi caixeiro. Depois começou a trabalhar por sua conta, nas ditas Minas do Ribeirão do Carmo. ANTT, inq. Lisboa, pº 9969, de Luís Vaz de Oliveira.

5-ANTT, inq. Lisboa, pº 8777, de Gaspar Fernandes da Costa; ANDRADE e GUIMARÃES, Nós Trasmontanos… in: Jornal Nordeste, nº 1085, de 2017-08-29.

6-IDEM, inq. Coimbra, pº 754, de Diogo Vaz Oliveira; pº 420, de Francisca Vaz.

7-IDEM, pº 4494, de Francisco Ferreira Isidro, capitão de auxiliares; pº 1433, de Isabel Cardosa.

8-IDEM, inq. Lisboa, pº 4227, de Francisco ferreira Sanches Isidro.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães