LA DOLCE VITA

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Quem, em Parma, dos meus encantos, caminhe da Piazza Garibaldi em direção à Chiesa de San Giovani Evangelista, não pode deixar de tomar caminho pelo Borgo XX de Março, para alcançar o magnífico Battistero di Parma, na Piazza Duomo. É uma deslumbrante torre octogonal, em mármore cor de rosa de Verona “forrado” por um elevadíssimo número de esculturas em baixo relevo, ocupando toda a superfície externa, guardando no seu interior um considerável conjunto de pinturas, em fresco, alusivas à vida de Cristo. Regressando pelo mesmo caminho, em vez de voltar ao largo onde os parmagianos homenageiam o lendário herói revolucionário italiano, é recomendável que se atravesse a Strada della Reppublica, seguindo em frente, para o Borgo Giacomo Tommasini, uma rua estreita, pedonal com muitas lojas de moda no rés-do-chão dos edifícios de pequena altura, com uma cércea constante e alinhada. No topo destes, vários cabos de aço, en- trecruzados, sustentam vários espelhos gigantes onde os transeuntes apa- recem refletidos, de cabe- ça para baixo. As minha netas divertem-se a fazer caretas e movimentos que, divertidos em terra, ficam mais estranhos e cómicos quando vistos nas nuvens. Fiz esse trajeto no dia a seguir às eleições legislativas e a minha figura, sisuda, caindo do céu, de pernas para o ar, saltando de espelho em espelho, assumia um especial significado simbólico naquele 11 de março de tristes memórias, desde a abortada tentativa de golpe, em Lisboa em 1975 até ao horrendo atentado em 2004, na estação de caminho de ferro de Atocha, em Madrid, vinte e nove anos depois. O céu cinzento, ocultan- do o astro-rei, adensava o ambiente e a caminhada ensimesmada e absorta desenvolveu-se, mecani- camente, em direção ao rio Parma (afluente do imponente Pó) que se dis- tendia, preguiçosamente, num leito demasiado largo para o pequeno caudal de então. Pouco movimento nas ruas com a maioria das lojas fechadas, no perío- do da manhã, acentuava a melancolia das notícias chegadas, de Lisboa, na véspera. Na cabeça martelava uma canção com mais de meio-século, ouvida em segredo, a horas esconsas que, nessa altura, me enchiam a alma de fé e confiança mas que, agora, me lembram apenas que, nesta vida, sobretudo nos tempos conturbados que vivemos, nada pode ser dado como definitivamente adquirido. A voz do Adriano chegava com cristalina singeleza: “Per- gunto ao vento que passa, notícias do meu país…” Os passos, um atrás do outro, depois de passar pela Piazzale della Rosa, seguindo pelo Borgo Feli- no, retomando a Viale Solferino, levam-me, quem diria, à Piazza 25 de Aprile, dia de la liberation. Há sempre uma remissão para a juventude, em Bragança, na mítica Praça da Sé, ao Flórida e ao Chave D’Ouro, sempre que por aqui passo. Desta vez, por feliz coincidência, nas suas imediações, do alinhamento cinzento e monocromático das caixas de correio de um condomínio austero e tradicional, so- bressai uma mensagem, numa delas, em letras gordas e vermelhas (nenhuma outra cor seria mais apropriada) que chama a atenção de quem passa: “NO PUBLICITÀ. SOLO LETTERE D’AMORE. GRAZIE”. O regresso a casa da minha filha fez-se com um sorriso nos lábios e até o sol resolveu espreitar por entre as nuvens cinzentas. Apesar da angústia, uma onda conforto aconchegou-me a alma: a Esperança nunca morre, façam eles o que fizerem!

José Mário Leite