Haja saúde

PUB.

Considera-se que o último mês do ano deva ser, em termos pessoais, um tempo de balanço e reflexão sobre o que foram os trezentos e muitos dias anteriores. Para o mundo empresarial e, também, para as associações, para além do cumprimento das obrigações fiscais, é altura de aprovar os planos de atividades e orçamentos previsionais do ano seguinte. Como os tempos não são de silêncio, pouco se irá refletir sobre o que se fez, e como a maioria não tem empresas nem associações também não necessita de se preocupar com o novo ano em termos orçamentais nem necessita de ver as atividades aprovadas por um punhado de associados, havendo tempo para ouvir falar do protagonismo de Greta Thunberg, em detrimento das conclusões da cimeira do clima, e da análise que o líder do PSD irá fazer do orçamento. Pelo meio, continuam a aparecer os problemas da área da saúde com a sobrelotação dos hospitais, a falta de enfermeiros e a carência de médicos. Sobre os últimos é de facto incompreensível para a opinião pública ouvir falar da falta de recursos em saúde, há mais de uma década, e não se conseguirem implementar políticas de fixação nas zonas de maior carência. Em consequência, já não se permite pensar em não haver vontade política, mas fica-se com a sensação de que há forças dentro da própria classe que pretendem não ver resolvida esta situação, independentemente das consequências que possa ter para milhares de portugueses. Por isso, não só não se compreende porque não aumenta o número de vagas nas universidades, como é possível questionar o chumbo ao novo curso de medicina que a católica queria abrir já no próximo ano letivo, sendo este (o chumbo) fundamentado no facto do sistema de saúde não possuir capacidade de absorção do número de alunos que concluem os cursos e o risco que instituições e ofertas formativas já acreditadas correm dada a proximidade entre a católica e tais institutos ou faculdades. Também o modelo de gestão hospitalar que vigora, desde a década de noventa, não conseguiu corresponder às expectativas, acentuando as assimetrias e prolongando os tempos de espera, seja da primeira consulta ou das seguintes, seja dos exames de diagnóstico ou terapêuticos. Com efeito, o modelo de gestão empresarial aplicado à saúde apresenta tão bons resultados quantos os que se verificam no sector da educação quando se discute o custo do aluno bem como o preço da reprovação ou do sucesso refletido nas estatísticas. Também o modelo de gestão integrada ficou aquém das expectativas e, ao que parece, o que melhores condições oferecia os utentes seria a concessão a entidades privadas o que, por questões ideológicas, não mereceu aprovação da maioria dos partidos de esquerda que continuam a ver neste modelo uma forma de financiar os interesses dos grandes grupos económicos. O modelo de gestão empresarial parece ser o que, em termos políticos, mais consensos agrega. Todavia, é também aquele que mais falácias apresenta desde a sua concepção face aos propósitos para que foi criado. Com efeito, se há um conselho de administração ao qual se atribuiu um presidente com funções claramente definidas e responsável pelas dinâmicas implementadas, desde os cuidados de saúde primários, não é menos verdade que a inexistência de autonomia financeira impede a concretização de todas as medidas que se pretendam implementar em cada região de acordo com as suas especificidades. Por outro lado, as cativações que têm sido feitas apenas têm contribuído para a degradação dos serviços e a desmotivação dos recursos humanos que não veem as suas reivindicações satisfeitas, os horários de trabalho alargados e as equipas cada vez mais reduzidas. Por isso, e quando se afirma que o próximo orçamento de estado vai apresentar um reforço de oitocentos milhões de euros para o sector da saúde, dando um primeiro passo para acabar com a suborçamentação nesta área, não poderemos olhar para esta rubrica como uma medida positiva que irá, finalmente, colocar o SNS no caminho da modernização e da qualidade. Quando muito, este valor irá reduzir em algumas décimas o valor percentual da dívida, já que no momento em que for alocado a cada uma das áreas irá verificar-se que resta apenas uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.

Raúl Gomes