A estranheza das coisas

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Às vezes o que é simples causa uma estranheza medonha. Outras vezes arranja-se maneira de dar um nó ao cérebros dos incautos simplistas com palavreado caro, e, quase sempre, desnecessário.
Por exemplo, há muito tempo que não me chamo Tânia Rei. Chamo-me Tânia Reis, por mais que eu teime (doida!) que o meu apelido só tem três letrinhas, sem ‘s’ no fim. Até já tive esta conversa caricata ao telefone: ‘Estô sim? Bom dia! Estô a falar com a sô dona Tânia Reis?’. Do outro lado, respondo, enfadada (porque era uma daquelas linhas onde têm o nosso nome à frente, porque somos clientes daquela marca, e aí começamos a ponderar porquê pagar um serviço que nem consegue ter alguém que saiba ler o meu nome no contrato): ‘Bom dia. Sim, mas é só Rei, sem ‘s’. ‘Do outro lado, novamente, nada convencido: ‘Bom dia sô dona Tânia Reisss. O meu nome é fulano de tal e estou a ligar...’. Bom, claramente ele pensou ‘Aqui está uma atrasada mental que nem o nome dela sabe, coitada. É algo que me chateia, ter que explicar como me chamo, quando há por aí nomes bem mais complexos, que me esforço por dizer e escrever bem. Mas o raio do ‘s’... Lá está sempre a perseguir-me.
Ora, adiante. No mundo do descomplica e complica, dei por mim a pensar que tinha que ir tirar um curso de culinária, mas antes disso um curso de ‘o que raio diz nesta receita?’. Dei por mim a olhar para aqueles livrinhos de sugestões para a cozinha, mas sem entender o que era suposto cozinhar. Um açúcar mascavado, umas folhas de gelatina (isto é complexo, acreditem, porque algumas marcas não dizem como devemos desfazer aquilo corretamente), ou umas essências em vagem, ainda entendo. Agora, o que vem a ser couve kale, tofu firme ou biovivos, que se diz que podem ser q.b? Na horta da minha mãe sempre houve couves, mas nenhuma dessa raça. Não sei ver se é tofu, quanto mais se está firme. Continuo sem saber o que vêm a ser biovivos (até porque dá a sensação que estamos a comer algo que não devemos, não é? Está demasiado vivo). E também não sei o que são canónigos, molhos que metem ‘k’ e ‘y’ no nome ou sementes que não imagino o que poderia sair dali se fossem plantadas. Conclusão, tenho cada vez mais dificuldade em fazer receitas novas baseadas numa ia ao supermercado, porque cada vez está mais complexo saber o que necessário comprar. Sinto-me um alquimista à volta de um caldeirão, uma poderosa feiticeira que vai correr os inimigos a biovivos até ao outro lado da fronteira.
Tenho a ideia de que é possível comer bem e saudável sem ter que gastar o abecedário todo ou falar alemão misturado com grego e latim. Não sei, para mim isto são tudo mariquices modernas às quais não cedo, mais não seja porque não consigo passar da fase das instruções.
Enfim, aqui estão duas situações que me deixam enervadíssima. Acabei de escrever com os nervos esfrangalhados, só de pensar que, possivelmente ainda hoje, alguém me vai acrescentar o ‘s’ no nome ou que vou perder tempo a pesquisar comida estranha.
Por isso, aqui fica o meu sábio conselho: Não compliquem o que é simples, mesmo que pareça demasiado simples. Não empolem o complicado. Às vezes o truque está só em trocar o ardiloso por uma solução terra a terra (é o que faço na cozinha, e resulta).

 

Tânia Rei