Bragança : A Nação Judaica em Movimento - 2 A família de Gaspar de Faro e Beatriz da Costa

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Conforme vimos no texto anterior, uma das filhas de Manuel Fernandes chamava- -se Isabel da Fonseca e casou com Jacinto Ferreira, natural da aldeia de Parada, termo de Bragança, membro de uma família com largo historial na inquisição. Recuando apenas a 1661, verificamos que, entre os brigantinos que se apresentaram perante o inquisidor Pimentel de Sousa a confessar as suas culpas de judaísmo, se contou o mercador Manuel Santiago Pimentel, de 30 anos de idade, irmão de Jacinto Ferreira, o pai de Fernando da Fonseca Chaves. E também a sua mulher, Isabel de Faro, 4 anos mais nova. Ambos foram posteriormente chamados a Coimbra para serem sentenciados, em Abril de 1670.  Em 1683, sendo já viúva, e morando em Miranda do Douro, Isabel foi presa pela inquisição e acabou queimada nas fogueiras do auto da fé de 4.2.1685. Infelizmente não pudemos consultar o processo, como, aliás, a grande maioria dos que respeitam às inquisições de Coimbra e Évora. Quando Isabel foi presa, também o foram os seus filhos Francisco Pimentel e Gaspar de Faro, aquele de 15 anos, aprendiz de ourives da prata e este de 20 anos, fabricante de sedas. Ambos saíram condenados em cárcere a arbítrio, no auto da fé de 7.2.1685, juntamente com sua irmã, Maria dos Santos. De regresso a Bragança, Gaspar de Faro casou com Beatriz da Costa, a Galula, de alcunha, filha de Manuel de Santiago e Mécia de Morais, que lhe deu 2 filhos e 2 filhas. E falecendo Gaspar, Brites da Costa andou de “morada alevantada” entre Bragança, Castela e Miranda do Douro. Por 1715 rumaria a Lisboa, assentando morada na Rua das Parreiras, freguesia do Socorro. Em 7 de agosto do mesmo ano foi apresentar-se na inquisição, a confessar culpas de judaísmo, contando, nomeadamente, que fora doutrinada 23 anos atrás, por sua prima Brites da Costa, mulher de António Gomes, ourives. Um treslado da sua confissão foi enviado para o tribunal de Coimbra, conforme consta da capa do processo. E de Coimbra seriam também remetidas para Lisboa, denúncias contra ela, feitas por outros presos, nomeadamente por Isabel Mendes, que fora relaxada. Certamente que, confrontando as suas confissões com as denúncias recebidas de Coimbra, os inquisidores decretaram a sua prisão. Acabou por ser sentenciada no auto da fé de 24.10.1717, celebrado na igreja do convento de S. Domingos, estando presentes o rei D. João V, inquisidores, ministros da mesa, o embaixador de França, muita nobreza e povo, sendo condenada em confisco de bens, abjuração em forma, cárcere a arbítrio, instrução na fé católica e penitências espirituais. Em 2 de setembro seguinte, estando bem instruída e confessada, foi-lhe dada licença para ir viver em Torres Novas, em casa de seu irmão, António de Santiago. Depois que se apresentou e antes de ser decretada a sua prisão, Beatriz falava com os filhos e certamente combinou com eles a forma de eles se irem também apresenta. E assim, ela própria, como que preparando o caminho, contou aos inquisidores: - Haverá 8 anos, em Bragança, em casa dela confitente, se achou com seu filho Manuel Santiago, solteiro, sem ofício, e seu filho lhe disse que José Gomes o tinha ensinado (…) e se achou com outro seu filho, Francisco Pimentel, solteiro, tecelão de sedas, que se vem agora apresentar, e seu filho lhe disse que José Gomes o tinha ensinado…  Na verdade, em 18.5.1716, foram apresentar-se no mesmo tribunal 3 de seus filhos: Manuel de Santiago, de 18 anos, ourives da prata, Francisco Pimentel, de 17 anos, torcedor de sedas e Isabel de Morais, de 20 anos. Em prova de que a apresentação dos filhos seria concertada com sua mãe, veja-se a confissão feita por Manuel de Santiago: - Há 8 anos, pouco depois do ensino que lhe fez seu tio José Gomes, ourives da prata, em Bragança, em casa de sua mãe (…) se achou com a mesma e por ocasião dele confitente lhe dar conta do ensino feito por José Gomes, se declararam (…) Há 7 anos, em Bragança, em casa dele se achou com sua irmã Isabel de Morais, solteira, que se veio apresentar em sua companhia e com seu irmão inteiro, Francisco Pimentel, tecelão de sedas, que se veio apresentar em companhia dele confitente e o mesmo fora igualmente ensinado por José Gomes e sua irmã ensinada por Leonor Pimentel.  Os 3 processos são bastante simples, estranhando-se talvez que os dois rapazes fossem sentenciados em mesa, perante os senhores inquisidores, em Junho de 1616, condenados em penas espirituais e Isabel tivesse de comparecer em auto da fé, na igreja de S. Domingos, em 24.10.1717, condenada em cárcere e hábito a arbítrio dos inquisidores. Neste tratamento especial terá pesado o facto de Isabel ter sido doutrinada por Leonor Nunes e denunciada por Isabel Mendes, que foi relaxada pelo santo ofício, em 6.8.1713.  Mécia de Morais, outra filha de Gaspar de Faro e Brites da Costa não foi apresentar- -se com os irmãos. Talvez não morasse então em Lisboa com eles e com a mãe. Porém, seguiu o mesmo caminho, apresentando-se 4 anos depois, em 26.6.1720, quando contava 23 anos.  Fora também denunciada por Isabel Mendes, quando já estava de mãos atadas, e entre os que com ela judaizaram contava-se o seu primo materno António de Morais, aliás, Jacob de Morais, um brigantino que, em 1711, se foi para Bayonne, de França, onde se fez circuncidar, tomando o nome judeu de Jacob e regressando a Bragança em 1716.  Tratando-se embora de uma simples apresentação, o processo de Mécia ganha particular interesse pela polémica que levantou entre os inquisidores e os deputados sobre a sentença a dar à ré, polémica que ocupa uma dezena de páginas.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães