AVATAR

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O termo Avatar a que nos começámos a habituar depois do sucesso do filme com esse nome do cineasta americano James Cameron, deriva de um conceito hindu de reencarnação divina tendo hoje um significado ligado ao mundo virtual, normalmente associado ao Metaverso. É usado em jogos de computador onde se pretende mergulhar o utente num ambiente digital imer- sivo. É uma espécie de um alter ego que, assumindo as características próprias e personalizadas, se subme- te a experiências que, pelas suas fantasias, excentricidades ou “perigosidade”, se submete a experiências, normalmente virtuais, que poderiam representar algum perigo (ou mesmo impossibilidade) para o próprio. A medicina contemporânea foi buscar o termo e a respetiva abstração para, recorrendo a tecnologias atuais, muitas vezes com apoio da Inteligência Artificial, usar outras “entidades” para exponenciar as técnicas de tratamen- to. Frequentemente com a ajuda de cientistas que, felizmente, cada vez mais, na investigação translacional, gravitam na órbita de hospitais e clínicas. É o que acontece na Fundação Champalimaud nas várias áreas em que atua, seja no Centro Clínico, seja no Centro de Investigação. Em concreto, o grupo de Rita Fior está a desenvolver e levar à prática um projeto que, espera-se, vai revolucionar o tratamento do cancro, sobretudo as formas líquidas desta doença. O tratamento oncológico passa pela remoção dos tumores (mais fácil nas formas sólidas) e eliminação das células cancerígenas que não foram extraídas por dificuldade acrescida ou mesmo, impossibilidade. Para esta última operação usam-se várias tecnologias, sendo as mais conhecidas a quimioterapia e radioterapia, em- bora várias outras, menos invasivas e, quiçá, mais efi- cazes, estejam a ser inves- tigadas e experimentadas. Algumas delas promissoras porém, embora sendo se- guras, não é ainda evidente qual ou quais delas são as mais eficazes e com menores efeitos secundários indesejáveis. E é aqui que o grupo de Fior pretende assumir um papel de relevo. A investigadora propõe-se recolher uma amostra das células cancerígenas de cada um dos doentes, reproduzi- -las em laboratório e injetá- -las em várias dezenas de peixes zebra que, a partir de então, ficam marcados como os Avatares do paciente em causa. Os modelos são divididos em vários grupos, tantos quantos o médico entender que são os tratamentos possíveis e indicáveis para o doente. As tecnologias são transfe- ridas para os peixinhos e estes passam a ser monito- rizados para avaliar a pro- gressão do tratamento em cada um dos grupos. Nesta primeira fase é possível in- formar, em tempo real, qual dos tratamentos em curso é mais eficaz orientando o clínico para uma atuação mais célere, eficaz e, sobretudo, menos dolorosa para o utente. Sabendo do sofrimento, físico e também psicológico que estas terapias têm em quem delas precisa e sendo óbvio que num indivíduo, optando por uma delas, é preciso esperar pela avaliação da sua eficácia, para passar à seguinte, a possibilidade de poderem ser feitas em modelos, todas ao mesmo tempo e proceder a uma comparação sincronizada dos seus resultados, constitui um ganho enorme para quantos recorrem aos cuidados médicos. Ganha-se em bem es- tar, confiança e, sobretudo, em tempo que em algumas vezes pode representar a diferença entre sobreviver ou não. Porém, o intuito da in- vestigadora é ir mais lon- ge. A partir de um universo maior de doentes, que ex- travasa muito a Champalimaud, criar uma extensa e bem documentada base de dados que, manipulada por tecnologias de Inteligência Artificial, possa restrin- gir as tecnologias a adotar e, em casos mais graves e urgentes, selecionar logo uma!

José Mário Leite