A última tecedeira de Caravela

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Ter, 13/12/2005 - 14:57


Apesar de alguns tecelões das aldeias do Nordeste Transmontano terem ficado na História, os rostos da tecelagem são, maioritariamente, mulheres.

Maria Rodrigues é, actualmente, a única tecedeira da aldeia de Caravela, no concelho de Bragança. As mãos desta artesã movem, diariamente, um tear que é responsável pela criação de tapetes, carpetes, almofadas, naperons, entre outros objectos artesanais confeccionados à base de algodão, lã, linho e tirelas de farrapos.
Transmontana de gema, aprendeu a arte de mover o tear desde tenra idade, ao ponto de, aos 13 anos, ter trocado as brincadeiras com as outras crianças pelo ofício da sua avó.
“Eu sempre gostei daquilo que a minha avó fazia. Por isso, quando ela deixava o tear para ir arranjar comida para as crias eu ia sozinha para o tear, mas, quando se partia alguma coisa, fugia com o medo de levar umas palmadas”, recorda a tecedeira.
Na aldeia de Caravela, a arte de mover o tear chegou a passar de avós para netas, mas as gerações mais jovens acabaram por não dar continuidade a esta actividade artesanal que, actualmente, tem os dias contados.

“É preciso ter amor à arte”

Aos 48 anos, Maria Rodrigues continua a dar continuidade à profissão de tecedeira, que foi obrigada a abandonar depois do casamento. “Tive muita pena. Mas o meu marido era guarda e foi destacado para Alfândega da Fé, onde eu não tinha condições para continuar a tecer”, lamenta.
Há cerca de quatro anos, quando regressou à terra natal, a artesã decidiu pôr mãos à obra e voltar a dar vida ao tear que, outrora, abandonara. “Pouco antes de voltar para Caravela frequentei um curso de rendas e bordados, em Alfândega da Fé, o que me deu ainda mais vontade de voltar a exercer a profissão que aprendi com a minha avó”, recorda.
A paixão pelo tear é, segundo Maria Rodrigues, condição indispensável para quem se dedica a esta actividade, visto que mover o tear é um trabalho muito cansativo e, ao mesmo tempo, a criação de peças requer muita perícia e concentração.
“Isto é muito trabalhoso. Chego a passar aqui dias para pôr o tear a funcionar. Já diziam os antigos que um tear aparelhado é como um burro albardado”, salienta a habitante de Caravela.

Trabalhos tradicionais
muito procurados

Maria Rodrigues conta que as encomendas são tantas que, muitas vezes, não tem mãos a medir, uma vez que ainda há muitas pessoas a preferir os trabalhos manuais às confecções industriais.
Os tapetes de lã de ovelha, por exemplo, são as peças mais procuradas pelos clientes, apesar das dificuldades em arranjar matéria-prima. “Hoje já não há quem fie a lã e eu também não posso fazer tudo. Não tenho quem me ajude…”, salienta a tecedeira.
Em Caravela chegaram a funcionar oito teares, mas, hoje, Maria Rodrigues é a última resistente e garante que trabalha por “amor à arte”.
A tecedeira lamenta o fim anunciado desta profissão e, só mesmo o facto dos seus trabalhos serem procurados por pessoas de diferentes pontos do País, e até do estrangeiro, serve de recompensa.
“As pessoas mais velhas eram as únicas que sabiam fiar e tecer. Os mais novos preferem dedicar-se a trabalhos mais leves e mais fáceis”, realça esta transmontana.
Apesar da elaboração das peças ser muito morosa, Maria Rodrigues garante que ser tecedeira a tempo inteiro é uma profissão que “vai dando os seus rendimentos”. Mesmo assim, em Caravela, e em muitas outras localidades do Nordeste Transmontano, faltam interessados em aprender esta arte.